Interview in Portuguese with Lenise Clemens Torres on gamification

April 27, 2021

Lenise Clemens Torres has a degree in Librarianship from the University of São Paulo and is the author of the paper Gamification as an educational tool in Interactive Libraries, which achieved academic honors and distinction. The work is the result of two years of research on gamification, education, and information.

Clemens Torres was Assistant Coordinator of Challenges and Game Jams for Games for Change Latin America in 2020, where she mediated and curated teams of game creators. She has also been a collaborator and researcher at CEST since 2015.

The interviewee has nine years of experience managing national and international projects, events, and the organization of information at FUSP – Foundation of Support of the University of São Paulo.

Her interview is available in Portuguese only.

 

1. Penso que devemos começar deixando claro para os leitores o conceito de biblioteca interativa e como ela se aplica na atualidade.

Biblioteca Interativa é a concepção de uma biblioteca formada pelos frutos das interações entre os sujeitos, que foi criada pela Professora Regina Obata, em 1998. É um conceito abstrato e, portanto, pode ser aplicado tanto em espaços informacionais, como bibliotecas (instituições), quanto em outros tipos de ambientes que tenham a interação como elemento fundamental. Na atualidade podemos pensar em Bibliotecas Interativas aplicadas a ambientes virtuais, por exemplo.

2. Como a gamificação do livro se configura como ferramenta educacional em bibliotecas interativas?

O livro é o suporte informacional mais comum presente nas bibliotecas, mas é uma informação passiva, que fica à espera de ser acessada. Adicionar a gamificação (inserir elementos/regras de jogos) ao livro, o transforma em uma ferramenta interativa, onde um mediador se torna o ponto de acesso, e assim, transforma a experiência de aprender mais prazerosa e dinâmica. Dentro do contexto da Biblioteca Interativa, utilizei o jogo como catalisador das interações, e por conseguinte, do aprendizado.

3. Qual a importância da gamificação de um livro para o engajamento e desenvolvimento da criatividade e autonomia do usuário da biblioteca?

A gamificação do livro é uma ferramenta que, ao mesmo tempo em que torna possível a criação de um laço afetivo entre o usuário e a biblioteca, também possibilita o desenvolvimento pessoal do sujeito, por meio da apropriação do conhecimento e da narrativa que ele irá criar. A biblioteca se torna parte do sujeito, seja por meio de experiências, ou por meio de sua própria história.

4. Você trabalhou na criação de um modelo de jogo em seu TCC. Que tipo de jogo foi esse e qual é sua proposta de uso do jogo em um ambiente informacional?

O modelo de jogo que utilizei foi o RPG (Role Playing Game), onde o jogador interpreta um personagem com características pré-estabelecidas e um mediador (mestre) conduz uma narrativa. Minha proposta foi utilizar universos e histórias presentes em livros da biblioteca e, a partir das variáveis e espontaneidade advindas das particularidades de cada jogador, criar novas histórias.

5. Você poderia discorrer a respeito da gamificação aplicada com a função lúdica e educacional em bibliotecas interativas?

A gamificação do livro cria uma situação onde o usuário se torna protagonista das narrativas. Ele tem o poder de alterar e adicionar detalhes a histórias e contar com a ajuda de outras pessoas. Em Bibliotecas Interativas, é principalmente a interação que contribui para o desenvolvimento do sujeito, as trocas e o aprendizado que a interação proporciona. Nesse cenário o sujeito não só se apropria do conhecimento, como tem a oportunidade de se expressar e afetar outras pessoas de maneira positiva, tudo isso ao mesmo tempo em que se diverte.

6. Como e quando a biblioteca deixa de ser um mero acervo de livros e se torna um agente transformador de leitores/usuários autônomos e desejosos de participar da construção conjunta do conhecimento, de colaborar e agregar ao acervo da biblioteca/ou seja se tornar parte integrante dela?

Quando a biblioteca deixa de ser um organismo passivo, apenas a espera de se tornar necessário, e passa a se envolver com a vida de seus usuários, se tornando parte da comunidade ativamente. A minha proposta é de uma ferramenta que auxilie nesse processo, entretanto essa já é uma postura adotada por bibliotecas, em especial as do tipo pública e comunitárias.

7. Qual é o papel da biblioteca nos dias atuais? Como capacitar e engajar o usuário e, por que não dizer o bibliotecário, para que se tornem agentes participativos e ativos conjuntos do processo educacional e cultural?

Engajamento e interesse de usuários não é uma preocupação desconhecida dos profissionais de biblioteconomia. Segundo a pesquisa “Retratos da Leitura do Brasil” realizada pelo IPL, a média de livros lidos pela população em 2019 foi de apenas 5 livros (2,5 inteiros e 2,4 em partes)*. A luta é para que a biblioteca, como instituição, seja reconhecida com sua importância para a sociedade e aumente os índices de brasileiros interessados em leitura e conhecimento.

*Fonte: http://plataforma.prolivro.org.br/retratos.php

8. O conceito de RPG não é novo. Data de 1974, certo? Nesses jogos não há perdedores, nem ganhadores. Foi essa ideia que a inspirou a criar um jogo cuja narrativa é elaborada em conjunto com todos os jogadores? Quem assume o papel de mediador/mestre no jogo? Como são escolhidos os jogadores?

Exatamente, é um jogo colaborativo, e o objetivo é criar uma história, sem competitividade. Qualquer pessoa pode assumir um papel nesse tipo de jogo, basta querer. Tanto jogadores quanto mestre precisam apenas seguir as regras propostas em cada tipo de RPG, as quais são descritas em um livro próprio.

9. Como as relações de interação criadas nos jogos de RPG se solidificam? Você diria que essas relações são mais ricas nos contextos de Bibliotecas Interativas? Por quê?

Uma campanha de RPG geralmente demora vários dias para terminar, separada em sessões longas que duram várias horas. Por causa disso, fica bastante evidente que as relações criadas durante o jogo têm muito potencial para se aprofundar. E ao contrário do jogo de RPG casual, o fruto do jogo ficará armazenado na Biblioteca Interativa. Dessa maneira, se adiciona um objetivo distinto e uma noção de contribuição para a comunidade, pois todos poderão acessar o que foi criado a partir dos próprios usuários.

10. Você poderia dar alguns exemplos de como jogos de RPG podem ser inseridos nas bibliotecas interativas?

Existem diversas formas de inserir o RPG na biblioteca, sendo elas com objetivos didático-pedagógicos, como ação cultural, incentivo à leitura, ou até mesmo interação com o espaço e o acervo em si. Especificamente em Bibliotecas Interativas o RPG é um tipo de jogo ideal, pois a interação, expressão e colaboração são intrínsecas ao seu funcionamento.

11. Você poderia descrever brevemente o modelo de jogo que você criou, como o aplicou e que resultados obteve?

A minha proposta é um RPG baseado no sistema de regras chamado Storytelling, que compõe o universo ficcional chamado de O Novo Mundo das Trevas. Esse sistema foi criado pela editora White Wolf em 2006, e é baseado em paradas de dados de dez faces (D10) e preenchimento de pontos de habilidade e atributos nas fichas de personagem. Utilizei esse sistema para adaptar personagens do livro de Agatha Christie “E Não Sobrou Nenhum”, e distribuí as fichas para os jogadores, enquanto eu fui a mediadora (mestre), por ter sido a única pessoa que leu e conhecia o livro. A ideia era manter o cenário, ordem narrativa, e deixar os jogadores livres para fazerem ações e interpretações da maneira que quisessem. O resultado foi que a história original foi totalmente alterada, gerando uma nova versão do livro de Agatha Christie, fazendo parte da Biblioteca Interativa, enquanto jogadores criaram laços entre si e se sentiram curiosos para conhecer a história original.

12. A gamificação do livro para o RPG emprega vários conceitos que constituem a Biblioteca Interativa. Você poderia listar alguns desses conceitos que você acredita serem os mais relevantes?

Os conceitos mais relevantes e que representam a união entre a tríplice gamificação, RPG e Biblioteca Interativa, eu posso citar:

– Expressão: o RPG possibilita a expressão do indivíduo, pois trata-se de uma atividade de interpretação e improviso.

– Relações Interativas: Entre mediador (mestre), indivíduos (jogadores) e entre eles próprios por meio do jogo.

– Autonomia: o sujeito tem o poder de mudar a história conforme sua própria vontade. Neste modelo de experimento, ele cria uma história nova a partir de outra já existente.

13. Por último, qual é o papel do bibliotecário nesse processo de gamificação do livro?

O bibliotecário dispõe dos conhecimentos necessários para entender quais obras são passíveis de adaptação e quais não são (levando em consideração faixa etária dos jogadores, regionalidade, nível de alfabetização, etc.), quais os locais mais adequados e se não houver, criar um espaço adequado para que funcione o jogo, quais obras podem ser consultadas, o que fazer com os frutos decorrentes das interações e do jogo, instruir os jogadores, dentre outras maneiras de enriquecer a experiência. O profissional bibliotecário não precisa ser o mediador/mestre em todas as sessões de jogo, mas é ele que irá possibilitar que a experiência ultrapasse o limite entre um jogo casual, e se torne de fato um processo de mediação cultural com potencial de contribuição social.