Avanço tecnológico sofre com sistema arcaico de patentes e registros no Brasil

Esta foi uma das principais conclusões do seminário “Propriedade Intelectual na Sociedade da Informação”, realizado pelo CEST, na Poli-USP

Edson Perin

Os avanços acelerados das Tecnologias da Informação (TI) não têm sido acompanhados pela legislação brasileira na velocidade necessária. A conclusão foi unânime entre os palestrantes e debatedores do evento promovido pelo Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia (CEST), no dia 26 de novembro, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). O seminário “Propriedade Intelectual na Sociedade da Informação” atraiu 100 pessoas, entre os presentes ao auditório Oswaldo Fadigas e os participantes pelo sistema de TV online da USP (http://iptv.usp.br), incluindo acadêmicos, estudantes, advogados e representantes de empresas.

Na opinião da advogada Vera Kaiser Sanches Kerr, pesquisadora do CEST e coordenadora do evento, os debates revelaram como a legislação brasileira tem sido negativa para a inovação e a propriedade intelectual desenvolvidas no país, citando as empresas Microsoft, Samsung, Cisco, que enviaram representantes ao evento, e tantas outras desenvolvedoras nacionais e internacionais de tecnologia.

“As empresas vivenciam, de um lado, o avanço tecnológico em uma velocidade exponencial em contraste com um sistema administrativo de concessão de patentes e registros arcaico, engessado e sem um projeto efetivo de modernização”, afirma Vera. “Não é possível a legislação ter a efetividade que o mercado espera se não puder se valer do respaldo dos entes administrativos que lhe dão suporte”.

Maria Aparecida, Vera Kerr, Ricardo Santos e Newton Silveira
Maria Aparecida, Vera Kerr, Ricardo Santos e Newton Silveira

O primeiro bloco do evento, mediado por Vera, teve como palestrantes Maria Aparecida de Souza, diretora da Agência USP de Inovação; Ricardo Santos, responsável pelo Centro de Inovações da Cisco para a América Latina; a professora da Faculdade de Direito da USP Maristela Basso, co-fundadora do CEST; o professor Newton Silveira, também da Faculdade de Direito da USP; e os debatedores Vanessa Fonseca, advogada da Microsoft, e o executivo Juliano Salmar, da Samsung.

Maria Aparecida, da Agência USP de Inovação, responsável por identificar inovação nas pesquisas realizadas na comunidade acadêmica da universidade e promover a proteção junto ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), apontou os desafios que tem enfrentado, durante sua exposição. Segundo ela, a agência consegue registrar patentes apenas na proporção de uma para mil.

Maria Aparecida, Newton Silveira e Maristela Basso
Maria Aparecida, Newton Silveira e Maristela Basso

Sobre os desafios da agência, Vera afirma que sem proteção à propriedade intelectual não há retorno do investimento e, portanto, a inovação fica comprometida. “Sob essa perspectiva de retorno do investimento, torna-se fundamental ouvir o mercado, ou seja, empresas como a Cisco, que tem socializado esse conhecimento por meio do seu Centro de Inovações na América Latina”. E completou: “percebe-se o desafio mútuo de se estabelecer canais de diálogo e parcerias públicas e privadas entre agências de fomento às pesquisas”.

Ainda sobre as agências de inovação, a colaboradora do CEST Sirlei Pitteri afirmou que, levando-se em conta a dificuldade na legislação brasileira para separar o público do privado e que as universidades de ponta brasileiras são públicas, às vezes, as inovações ocorrem por meio de parcerias entre empresas privadas e universidades. “O site da Inova Unicamp [agência de inovação da Universidade de Campinas] mostra que a entidade possui uma infinidade de patentes disponíveis aos empreendedores interessados em licenças para novos negócios”, afirma Sirlei, que ainda questiona: “como a Unicamp resolveu essa questão e produziu tantas patentes, enquanto a Agência da USP não consegue?”

A advogada Sílvia Melchior mediou o segundo bloco de debates do evento, que teve como palestrantes o professor Antônio Carlos Morato, da Faculdade de Direito da USP; o professor Manoel Joaquim Pereira dos Santos, da FGV-LAW; e o advogado Renato Opice Blum, professor do Insper. Entre os debatedores, participaram Vanda Scartezini, ex-secretária federal de Tecnologia da Informação do governo Fernando Henrique Cardoso; e o advogado Raul Murad Ribeiro de Castro.

De acordo com Sílvia, o seminário se insere num cenário em que não se pode ignorar os impactos das novas tecnologias e inovações da internet sobre o marco legal existente aplicável à proteção da propriedade intelectual e direito autoral. “O objetivo foi evidenciar as perspectivas de empresas, academia, estudiosos, advogados e agentes que atuam no segmento sobre esse tema, que é essencial para o fomento da inovação”.

Sílvia Melchior, Vanda Scartezini, Antônio Carlos Morato e Manoel Joaquim Pereira dos Santos
Sílvia Melchior, Vanda Scartezini, Antônio Carlos Morato e Manoel Joaquim Pereira dos Santos

“Foram trazidas inúmeras perspectivas de soluções seja pela utilização conjunta e simultânea de diversos instrumentos já existentes de proteção, como pela aplicação de legislação de outras áreas, como a concorrencial”, declara Sílvia. “Certamente, não se pode afastar a conclusão de que a gestão sobre toda a propriedade intelectual, direito autoral e sua proteção são hoje – e serão cada vez mais – complexas, o que demanda ações em diversas frentes, inclusive com uma ampliação da discussão no país e a maior participação do Brasil nas discussões internacionais”.

De acordo com Sílvia, a discussão perpassa pelo entendimento sobre a elasticidade da lei, que vem sendo testada pela tecnologia, para atender aos novos desafios impostos pela evolução tecnológica. “É fundamental compreender se as leis existentes são suficientemente modernas ou flexíveis para trazer soluções a essas novas questões ou se o segmento necessita de uma reinvenção”, defende.

John Sydenstricker-Neto, colaborador do CEST, questiona se faz sentido falar tanto em propriedade e proteção intelectual em um momento de tanta e tão rápida inovação. “De que vale ser detentor e trabalhar para obter o reconhecimento da propriedade intelectual quando em breve tal ideia ou produto já estará superado, obsoleto?”, argumenta. Ainda que não aprofundadas, na visão de Sydenstricker, estas questões dizem respeito a um assunto que emergiu no seminário e que merece maior reflexão.

“De um lado, há o reconhecimento de autoria e determinação da primazia de apresentação de uma ideia, que são caros à academia e, tradicionalmente, têm construído a reputação de pesquisadores. De outro lado, há os profissionais que estão no forefront da inovação. Para estes, mais importante do que garantir o reconhecimento da ‘paternidade’ de uma ideia, está em colocar na rua, o quanto antes, a ideia ou produto, aproveitar a janela de oportunidade e já partir para aprimorar tal ideia, seja com um avanço na mesma linha, seja buscando uma outra frente”, ressalta, concluindo: “neste contexto, caberia perguntar onde está o equilíbrio entre tais visões e quais os desafios que estão colocados num contexto de informação abundante e obsolescência cada vez mais rápida?”

Antônio Carlos Morato, Manoel Joaquim Pereira dos Santos, Renato Opice Blum e Raul Murad Ribeiro de Castro
Antônio Carlos Morato, Manoel Joaquim Pereira dos Santos, Renato Opice Blum e Raul Murad Ribeiro de Castro

A pesquisadora do CEST Diana Riaño destacou outro aspecto: o do conteúdo e seu papel socializante. “Nos dias de hoje, a sociedade se diz baseada na informação, mas pode-se observar que a todo momento e por todas as formas, em especial por direitos de propriedade intelectual, ocorre a tentativa de cerceamento da informação”, ressalta. “No lugar de liberdade de informação, cada vez mais, ocorre o ato de se apoderar de modo privado da informação”.

A advogada Andreia Feitosa, pesquisadora do CEST, foca suas impressões sobre o evento no tempo de espera da concessão de uma patente e o surgimento de novas tecnologias, o que torna inviável a espera pelo registro. “Trata-se de uma questão que precisa ser equalizada para compatibilizar o direito, as questões burocráticas para registro e as novas tecnologias, pois a criação de um software é uma questão intimamente ligada a desenvolvimento, e a grande demanda de novas tecnologias, acaba por tornar rapidamente a tecnologia outrora desenvolvida obsoleta”.

Para Vera K. S. Kerr, o CEST, com eventos como esse, procura identificar quais são as perguntas e quais são as inquietações presentes no contexto da Sociedade da Informação. “E junto a essa mesma sociedade, ou seja, a comunidade acadêmica, o mercado, os operadores do direito e tantos outros parceiros, buscar novos caminhos de diálogo para construir as soluções possíveis”, completou.

O co-fundador e coordenador do CEST, professor Dr. Edison Spina, da Poli, disse que o evento cumpre uma das principais prerrogativas do centro, que é a de discutir os impactos do uso de novas tecnologias na sociedade. “A Propriedade Intelectual é um dos assuntos relevantes que envolvem o desenvolvimento de tecnologias e impacta fortemente na criação de novos recursos tecnológicos em todos os lugares do mundo. Se o Brasil quer se tornar um player e permitir que agentes de todo o mundo atuem dentro do país com regras claras, este tema deve ser debatido a fundo, com especialistas”, afirma Spina.