Comentários revelam visões sobre a Jornada Diversidade Cultural e Novas Tecnologias

Por Edson Perin.

O evento Jornada Diversidade Cultural e Novas Tecnologias, realizado pelo grupo U40 com o apoio do Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia (CEST), no dia 2 de julho de 2015, na Escola Politécnica (Poli) da USP, promoveu discussões e revelou iniciativas realizadas em torno da utilização de recursos digitais para a diversidade cultural. O grupo U40 tem como objetivo dar voz a especialistas na implementação e promoção da Convenção da UNESCO de 2005 sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.

“Este evento representou um grande serviço para a sociedade por trazer à tona uma série de discussões e iniciativas online em benefício da diversidade cultural”, afirma o Prof. Dr. Edison Spina, coordenador do CEST. “Gostaria de destacar o que considerei uma grande conquista”, continuou: “a abertura para que fossem expostas as mais diversas opiniões, sem censura, sem preconceitos de qualquer ordem, o que realmente favorece a compreensão sobre como as novas tecnologias e mídias podem exercer um papel integrador e de correspondência entre os mais diversos seres humanos, das mais diversas culturas e localizações geográficas”.

O professor aproveitou para enaltecer o acordo feito com o grupo U40. “Gostaria de parabenizar o U40 pela iniciativa. Espero poder participar de tão ricas oportunidades para colher os benefícios da exposição livre de conceitos e opiniões”.

Lilian Hanania, integrante do U40 e doutora em Direito Internacional pela Universidade Paris 1 – Panthéon-Sorbonne, além de pesquisadora do CEST, contextualizou a jornada, lembrando que o evento teve como objetivo comemorar os 10 anos da adoção da Convenção da UNESCO de 2005 sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (CDEC).

“Entre as diversas convenções da UNESCO que abordam assuntos de cultura e que têm como objetivo último a diversidade cultural”, explica Lilian, “a CDEC trata especificamente do aspecto do reequilíbrio das trocas internacionais de produtos e serviços culturais. Ela adota, portanto, uma perspectiva econômica da diversidade cultural, ligada à criação, produção, distribuição e acesso às expressões culturais veiculadas por atividades, produtos e serviços culturais”.

De acordo com Lilian, as disposições da CDEC podem ser reunidas em dois temas principais. “Em primeiro lugar, o reconhecimento da dupla natureza (cultural e econômica) dos produtos e serviços culturais, que confere especificidade a esses produtos e serviços”, destaca. “Tal especificidade não somente justifica a legitimidade de políticas públicas para promover a diversidade, mas também um tratamento jurídico especial para esses produtos e serviços, inclusive em acordos internacionais de comércio”.
Como segundo aspecto, Lilian abordou a promoção da cooperação internacional, com um enfoque em questões de desenvolvimento. “Uma disposição chave da CDEC consiste na reafirmação da cultura como parte integrante do desenvolvimento sustentável, o que exige que as Partes garantam coerência em suas ações e posições nos diversos fóruns nacionais e internacionais que abordam o tema do desenvolvimento sustentável”, declara.

Para Lilian, “com o desenvolvimento das novas tecnologias, em um contexto em que as políticas culturais tradicionais, aplicadas a setores considerados tradicionalmente como culturais – por exemplo, as quotas de conteúdo nacional para TV, cinema, radio –, começam a parecer menos eficazes, alguns pesquisadores do tema questionaram a utilidade da CDEC”.
De acordo com a pesquisadora, “a Convenção é, entretanto, tecnologicamente neutra, oferecendo um enquadramento jurídico para as medidas e politicas relativas à proteção e à promoção da diversidade de expressões culturais que se aplica quaisquer que sejam os meios e tecnologias utilizados. As dificuldades de implementação que ela enfrenta no meio digital parecem decorrer principalmente das dificuldades de compreensão da realidade criada pelas novas tecnologias em cada uma das Partes que ratificaram a Convenção. Com efeito, se as novas tecnologias trazem oportunidades para a diversidade, elas também levantam uma série de questões e dificuldades, que surgem em todas as etapas da cadeia de valor do setor cultural, desde a criação e a produção cultural, até a distribuição, a visibilidade de conteúdos e o acesso à produção cultural”.

Para concluir, Lilian afirmou que “os objetivos da jornada foram de promover a reflexão e a compreensão sobre essa nova realidade trazida pelas novas tecnologias e compartilhar boas práticas de projetos em que o uso das novas tecnologias é confrontado ou associado a objetivos de diversidade cultural”.

Mario Magalhães, outro pesquisador associado ao CEST, traçou o seu comentário sobre a jornada. “Diversidade cultural e novas tecnologias são, e foram neste evento, tópicos que se aceleram mutuamente e, simultaneamente, conflitam”, argumentou. “Os projetos e desafios apresentados tanto demonstraram a tecnologia a suportar a diversidade cultural e o desenvolvimento de marcos legais modernos, quanto expuseram o provincianismo e o comportamento de se ver ainda como colônia incapaz de atuar no contexto global”.

“Tendo como base a Convenção da UNESCO, a adoção de marcos legais, com suas interpretações e esforços de tratamento e aplicação, é um ponto em que o Brasil, pelo que se apresentou, evolui e se esforça para levar à realização. Projetos e esforços privados, por organizações não governamentais e por esforço com iniciativas de governo e de profissionais abnegados mostraram resultados e linhas de atuação efetivas”.

Magalhães comenta que “a tecnologia apenas suporta estas iniciativas timidamente. Pouco se ouviu do uso de tecnologia com inovação e modelos de negócio efetivos, que produzam resultados, lucros, monetização que permitam a sustentabilidade dos esforços a longo prazo. Ainda mais, que permitisse a reprodução do mesmo modelo em operações similares e que considerassem a independência dos modelos paternalistas governamentais”.

Neste contexto, Magalhães enfatizou que “as questões do abandono da visão provinciana, de colônia, refletem a má compreensão de que as decisões do que pode ou deve ser feito para proteger e expor as diversidades têm impacto em escala global. Mais que isso: neste novo mundo de tecnologias inovadoras só se comporta como colonizado, dominado, seja por poder econômico, por cor, geografia, raça, religião, cultura ou qualquer outro fator de diversidade, quem se assume como dominado e não ergue a cabeça para usar, criar, dominar modelos de negócio com novas tecnologias hoje ao alcance de quem os desejar”.

Para ele, no entanto, “o evento foi um excelente primeiro passo para abordar seus desafios e contradições”.