Entrevista com António Teixeira sobre Educação

– 26 de novembro de 2020 –

António Teixeira é Professor Associado na Universidade Aberta de Portugal (UAb), onde foi Pró-reitor para a inovação em EaD (2006-09) e Diretor do Departamento de Educação e Ensino a Distância (2016-20). Leciona também na Università degli Studi Roma Tre e é investigador do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, colaborando ainda com o Laboratório de Educação a Distância eLearning (LE@D).

Foi Presidente da EDEN – European Distance and E-learning Network (2013-16) e diretor no Ibstpi – International Board of Standards for Training, Performance and Instruction (2012-18). Sendo membro do International Advisory Board of the Distance Education and Learning Futures Alliance da Massey University (Nova Zelândia), é também consultor das agências de avaliação e acreditação do ensino superior catalã (AQU Cataluña) e aragonesa (ACPUA), bem como avaliador de investigação no Fondo Agencia Nacional de Investigación y Innovación do Uruguai (ANII).

A sua investigação centra-se nas temáticas da educação aberta, em particular em REA e MOOCs, pedagogia online e aprendizagem em rede, inovação educativa, mobilidade virtual, garantia da qualidade e governança de instituições educativas. Foi ainda professor visitante na Korean National Open University e é EDEN Senior Fellow.

1. Em sua opinião, quais foram as maiores limitações e desafios enfrentados pelo professor neste período de pandemia?

A pandemia teve um impacto transversal a todos os sistemas de ensino, afetando os diferentes países, níveis e até regimes de ensino. Creio que as mais importantes limitações encontradas neste contexto relacionaram-se com a impreparação da maioria das instituições educativas para providenciar ensino a distância (EaD) de qualidade, o que se refletiu na ausência de infraestruturas e dispositivos digitais, de modelos pedagógicos adequados e de uma eficiente qualificação dos docentes. A esta dificuldade somou-se igualmente a ainda baixa literacia digital da generalidade dos professores e a falta de computadores e de acesso a internet de banda larga por parte de muitos alunos e mesmo de professores também. Naturalmente, estas dificuldades foram ainda mais notórias nas regiões e nos países dotados de menores recursos.

Com efeito, a situação que enfrentámos foi muito desafiadora para todos. A manutenção do funcionamento regular das instituições educativas implicou a implementação massificada muito ágil de práticas de EaD, sem um normal período de planeamento e validação. Mais, ainda, o confinamento obrigou também a que professores e alunos passassem a ensinar e a aprender a partir de casa, partilhando o mesmo espaço, equipamentos e conexões com os restantes membros das suas famílias. Ora, a generalidade das pessoas e das famílias não possuíam as condições apropriadas para tal, uma vez que a vida social não se encontra hoje organizada de forma que o facilite. Isto para além das limitações económicas decorrentes da desigualdade social e a pobreza das populações mais carenciadas.

Creio ser importante também reconhecer que não se possuía um conhecimento teórico e prático robusto sobre como organizar o ensino a distância para populações não adultas, especialmente para crianças mais jovens.

A combinação destas limitações condicionou, compreensivelmente, as práticas de ensino e da aprendizagem. Verificou-se durante esta crise uma clara dificuldade dos professores na gestão da interação e da retroação com os alunos, assim como um desconhecimento das melhores práticas de avaliação digital. Desprovidos de uma boa capacitação para a educação a distância online, a maioria dos professores recorreu à replicação das práticas de ensino presencial utilizando ferramentas de comunicação remota, o que se manifestou na utilização excessiva de plataformas de webconferência e comunicação síncrona, conduzindo a uma situação generalizada de fadiga digital.

2. Quais foram as maiores lições aprendidas com a pandemia? Os resultados foram positivos?

Creio que a primeira grande lição aprendida é a da necessidade de preparar melhor os sistemas e as instituições educativas para responder a situações de contingência de larga escala, como grandes catástrofes naturais ou emergências sanitárias de natureza global. Embora tenha sido impressionante a capacidade de mobilização dos professores durante a crise e o modo ágil como muitos governos e instituições se adaptaram, devemos reconhecer que nem os decisores, nem os diversos agentes estavam devidamente preparados para enfrentar uma crise pandémica, como esta, a qual tem no entanto um caráter cíclico. As escolas e as universidades têm por isso de se preparar melhor para lidar com o desconhecido. Afinal, elas estão a formar os seus estudantes para se tornarem agentes ativos de mudança em cenários sociais e profissionais futuros neste momento ainda desconhecidos.

Numa perspetiva mais específica, poderemos afirmar que a pandemia permitiu acelerar e alargar fortemente um movimento já em curso de transformação digital das instituições educativas. Não se trata apenas da introdução do uso de tecnologias da informação e comunicação nas aulas, mas da alteração da cultura organizacional e funcionamento das escolas e universidades e das suas práticas de ensino e aprendizagem. A nossa experiência de vida quotidiana e o próprio exercício da cidadania ganhou uma forte dimensão digital e essa realidade tem de ser acolhida e integrada pelo universo da educação.

Todavia, a pandemia mostrou-nos como esse caminho não tem vindo a ser percorrido de um modo equilibrado. Com efeito, vimos que a brecha digital é maior do que pensávamos e esta ameaça ampliar significativamente as desigualdades e a exclusão sociais. Do mesmo modo que se investiu globalmente com sucesso no desenvolvimento colaborativo de fármacos e de vacinas destinados a proteger as populações do vírus, é necessário agora que os estados e as forças sociais reforcem fortemente o investimento nas redes, no acesso aos dispositivos e na capacitação e desenvolvimento das literacias digitais dos cidadãos.

Por outro lado, apesar do importante investimento realizado nas duas últimas décadas no setor da educação, é forçoso concluir que importa aumentá-lo e aperfeiçoá-lo. Em minha opinião, o principal problema que detetámos na baixa literacia digital dos professores, liga-se à ineficiência dos modelos de capacitação docente utilizados. Creio que a experiência da resposta à pandemia evidencia a necessidade de se aplicarem modelos de formação docente online de natureza intensa e imersiva. Sem que um professor, antes de o ser em contexto virtual, tenha experimentado antes aprender dessa forma, percebendo assim diretamente as diferenças que este contexto comporta, muito dificilmente poderá ser um professor online proficiente. Ora, a maior parte da formação docente em ensino a distância online realizada tem sido realizada em contextos presenciais em que, pela sua natureza, se repetem modelos expositivos tradicionais.

Note-se, porém, que também os alunos, por maior destreza que possuam a manejar dispositivos tecnológicos, necessitam igualmente de aprender a aprender em contextos virtuais. Muito trabalho há a fazer neste domínio.

Como referi antes, entendo que a pandemia também nos mostrou a importância crítica de alterar os modelos de avaliação de aprendizagens e certificação de competências. É urgente disseminarmos práticas alternativas de avaliação digital, baseadas na produção de evidências, bem como desagregar o tradicional “diploma”, adotando formas de reconhecimento de competências transversais. De igual modo, também creio que a investigação educacional neste campo deve procurar produzir e validar modelos de educação a distância online efetivos e adequados para crianças e jovens.

Em todo o caso, embora a qualidade de muitas das práticas de ensino remoto desenvolvidas não tenha sido boa, a experiência que vivemos de modo tão intenso constituiu uma oportunidade única de aprendizagem acelerada. Acredito que veremos nos próximos anos resultados muito importantes do impacto transformador que este momento inesquecível teve e continua a ter.

3. Você acredita que o ensino presencial pode/poderá se servir dos aprendizados oriundos do ensino totalmente online vivenciados na pandemia?

Sim, parece-me inevitável que assim aconteça. É natural que depois de um momento tão traumático se registe uma certa resistência ou até algum “saudosismo” da presencialidade perdida. Muitos professores sentir-se-ão por isso muito confortáveis em regressar tão brevemente quanto possível às suas práticas tradicionais. Todavia, em muitos mais foi já plantada uma semente de mudança. A abertura, flexibilidade, diferenciação, intensidade e escalabilidade que o ensino totalmente online promove ficou demonstrada para professores e alunos. Essa semente multiplicará a curto prazo a aplicação de abordagens híbridas no ensino presencial ou, pelo menos, de aprendizagem enriquecida pela tecnologia. De igual modo, muitos estudantes e professores sentir-se-ão também atraídos pela vontade de explorar as qualidades do ensino totalmente online.

4. Que competências devem ser desenvolvidas pelo professor que trabalha com o ensino híbrido e ou online?

O quadro europeu de competências digitais para educadores – Digital Competence Framework for Educators (DigCompEdu), fornece uma boa referência. Este instrumento que se destina a professores de todos os níveis de ensino, descreve um conjunto de 22 competências, distribuídas por 6 áreas de atividade, a saber: o envolvimento profissional, os recursos digitais, o ensino e a aprendizagem, a avaliação, o empoderamento dos estudantes e, por fim, o desenvolvimento das competências digitais dos estudantes. Agrupam-se, pois, competências tipicamente profissionais e pedagógicas dos professores com as dos estudantes. Elas cruzam-se, por sua vez com as competências digitais, as competências transversais e as que se relacionam com as matérias disciplinares.

A filosofia desta abordagem centra-se corretamente, a meu ver, na exploração das possibilidades que o uso das tecnologias digitais abre ao aperfeiçoamento da qualidade e à inovação das práticas educacionais e formativas.

5. Como avaliar as competências necessárias para se ensinar online?

A utilização do DigCompEdu permite avaliar e classificar o grau de proficiência de cada uma das competências enunciadas. A escala tem 6 níveis (newcomer, explorer, integrator, expert. leader e pioneer). Esta ferramenta pode ser utilizada no âmbito de uma instituição educativa ou de um seu setor ou grupo, de acordo com o respetivo funcionamento e cultura organizacional. O importante é que a utilização do instrumento ocorra no quadro de uma estratégia institucional para a transformação digital e que as deficiências ou limitações detetadas conduzam o professor avaliado a receber formação especializada.

6. A questão do distanciamento social entre professor e alunos afetou sobremaneira as interações entre esses agentes do ensino e aprendizagem?

Sim, afetou. Mas, não porque as tenha impedido e sim porque as transformou. Com efeito, a necessidade de distanciamento social impôs o princípio da separação física entre alunos e professores. Por outras palavras, a única possibilidade viável de manter a integridade do processo educativo e o normal funcionamento dos sistemas educativos foi a de adotar de modo generalizado práticas de ensino a distância. Sempre que estas práticas foram desenvolvidas de acordo com os bons modelos de ensino a distância, as interações, ainda que mantidas de modo diferente do tradicional, foram mais fortes e significativas. Na verdade, o ambiente de aprendizagem virtual, confere uma maior intensidade, escala e permanência à comunicação entre alunos e professor, assim como entre eles próprios. Isto porque a comunicação não é já só síncrona, unidirecional, restrita a um momento determinado, a um espaço-tempo, mas desmultiplica-se por via da sua dimensão assíncrona, multicanal. Isto potencia o valor da comunicação, que se torna mais durável, contribuindo para uma maior sustentabilidade da comunidade de aprendizagem. Porém, sabemos que nos casos das más práticas de ensino adotadas as interações com os estudantes foram fortemente reduzidas, tendo estes sentido um natural isolamento e exclusão.

7. Que competências devem ser desenvolvidas ou trabalhadas pelo professor para que seu aluno se beneficie de um ensino híbrido ou totalmente online? As competências para esses dois modelos são as mesmas?

Eu distingo entre ensino híbrido, por um lado, ensino misto, ou blended learning, por outro, e ensino totalmente virtual, ou online learning. Com efeito, entendo que um cenário misto de aprendizagem é caracterizado pela utilização pré-determinada, de acordo com o desenho de aprendizagem, de uma componente virtual e outra presencial. Já o termo “ensino híbrido” ajusta-se melhor a um contexto de ensino e aprendizagem tecnologicamente enriquecido em que os agentes interagem de modo diferenciado e aberto utilizando simultaneamente numa mesma situação de ensino-aprendizagem ambientes totalmente virtuais, presenciais e enriquecidos ou mistos, para além de elementos humanos e automáticos. O atual momento pandémico tem permitido compreender melhor esta realidade emergente.

As competências não são as mesmas para estes três modelos. Em todos é importante, nomeadamente, a capacidade de gerir a informação e deter uma boa literacia dos média. Numa sociedade em rede dominada pelo excesso informativo, é preciso saber coligir, analisar e interpretar a informação nos ambientes digitais, filtrando, organizando e avaliando as fontes, classificando a sua segurança e fiabilidade. Cada vez é mais difícil conseguir sobreviver à ilusão do que parece ser num mundo em que tantos nos procuram enganar. A capacidade de comunicar e colaborar em ambientes digitais ou tecnologicamente enriquecidos é igualmente fundamental quer se trate de ensino híbrido, misto ou online. O mesmo se pode dizer da competência de criação de conteúdo digital e do seu uso responsável.

Distinguiria, porém, no caso do ensino online algumas competências que são típicas da tradição do ensino a distância, nomeadamente a autonomia e a resiliência, bem como as competências relacionais e interculturais.

8. Como será a Educação pós-pandemia?

A minha convicção é que se organizará necessariamente de modo distinto do atual, mais aberto, colaborativo e interdependente. Como já referi, a necessidade de resposta à pandemia veio contribuir para alargar e acelerar o processo de transformação digital da educação. Neste sentido acredito que a nova normalidade imporá a disseminação dos ambientes híbridos de aprendizagem, no sentido que eu lhe atribuo. Mas, também as próprias instituições educativas se transformarão assumindo-se como polos de validação e certificação da rede de aprendizagem formal, não formal e informal, onde se incluem laboratórios, museus, bibliotecas e outras instituições científicas e culturais, mas também empresas. As escolas e as universidades redesenhar-se-ão enquanto ecossistemas digitais de produção, transmissão, conservação e reutilização de conhecimento interligadas no quadro das novas cidades inteligentes.

9. Em sua opinião, os velhos modelos tradicionais de educação deram lugar às novas formas de ver e fazer educação?

Sim, embora essa transição deva ser progressiva e não implicará o desaparecimento total dos antigos modelos.

10. Qual a importância do e-learning e da Educação a Distância na contemporaneidade?

Apesar das evidentes limitações das soluções de ensino remoto aplicadas e do sucesso relativo da respetiva implementação, a educação a distância salvou o mundo de um desastre social de enormes consequências neste ano de 2020. Creio que este facto único veio comprovar a maturidade teórica e a operacionalidade tecnológica de ambas as modalidades, consolidando definitivamente a importância estratégica que elas têm nos sistemas educativos contemporâneos. A nova normalidade que estamos já a construir irá certamente acentuar a crescente centralidade do e-Learning e da educação distância no âmbito da aprendizagem inicial e ao longo da vida.

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