Entrevista com Romualdo Alves Pereira Júnior sobre Fake News

– 19/07/2019 –

 

Entrevista com Romualdo Alves Pereira Júnior  sobre Fake News. Romualdo Alves Pereira Júnior é pós-doutor em Ciência e Engenharia de Dados pela University of Ottawa – uOttawa (Canadá). Atualmente responde pela Coordenação de Análise de Dados e Inteligência da Informação na Presidência da República.

Existe algum suporte filosófico na temática de Fake News?

A tendência natural na solução de novos problemas é partir de imediato em busca de um referencial tecnológico que se encaixe com as necessidades emergentes. Isso pode ser muito precipitado. A obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”, de Thomas Kuhn, desencadeou um processo que perturbou a relação da ciência com a sociedade, inspirando abordagens de metamodelagem, como a metodologia M3, que procura dar um embasamento mais sólido, estabelecendo uma associação da Filosofia, com a Ciência e a Práxis no entendimento e na solução dos problemas.

No caso de Fake News, podemos contar com a Filosofia da Informação e, em particular, com a Teoria da Veridicalidade da Informação, que fundamenta em bases lógicas e matemáticas o conceito de informação, da seguinte forma. Informação necessariamente deve refletir os fatos e a realidade; Desinformação, é por natureza incompleta ou ingenuamente irreal; e Má-informação, é aquela em que ocorre a intencionalidade de distorcer os fatos, com má-fé.

Com a fundamentação filosófica, as etapas seguintes da metamodelagem garantem conformidade.

Então, neste caso específico, como fica a abordagem da Ciência e a Práxis?

No tocante à minha pesquisa, o referencial é a Ciência de Dados, pela análise textual automática e o aprendizado de máquina, com uso de algoritmos de Inteligência Artificial, por exemplo.

E quanto à práxis, que revela o resultado final, ficam evidentes os sistemas de anotação, provas de conceito e sistemas de recomendação, além de ferramentas para análise exploratória e visualização, para mencionar alguns.

Qual é o estado da arte em relação a Fake News?

As pesquisas mais recentes na temática de Fake News podem ser categorizadas em análise de conta, anotação, análise de conteúdo, análise de propagação e intervenção.

Análise de conta tem o objetivo de identificar spammers e robôs por trás das notícias veiculadas;

Anotação, diz respeito à criação de corpus com anotações e rotulações para fins de viabilizar pesquisas científicas para o entendimento do fenômeno;

Análise de Conteúdo é realizada pela classificação das fake news como sendo clickbait (títulos chocantes, odiosos, incendiários, sensacionalistas ou exagerados, destinados a gerar cliques para aumentar a receita de anúncios), propaganda (artigos intencionalmente enganosos ou destinados a promover a agenda do autor), comentário ou opinião (reações tendenciosas com potencial de influenciar o leitor em relação a eventos atuais e bem recentes) e humor ou sátira (artigos escritos para entretenimento, sem má fé).

Análise de Propagação, busca identificar a popularidade das notícias, o poder de influência dos autores e a susceptibilidade dos usuários.

Intervenção, realiza ações de combate ou mitigação do problema. Realização de Fact-Cheking automático é um tema emergente, com análise de postura, tanto pela reputação da fonte como pela vinculação textual, ou seja, relação do título da notícia com o seu corpo (podendo haver concordância, discordância, discussão sem posicionamento, ou inexistência de relação).

Outras iniciativas combinam as anteriores com a análise verticalizada e especializada em temas como eleições, acontecimentos, catástrofes, tablóide etc. Ainda, há iniciativas relacionadas à mídia utilizada para disseminar o conteúdo falso, como por exemplo, Deep Fake, que é uma tecnologia inteligente de manipulação de vídeo usada para sobrepor o rosto de uma pessoa por outra em um vídeo, de forma que fique imperceptível a edição realizada, gerando credibilidade.

Como surgiu a ideia do livro “Combate às Fake News” e como foi organizado?

Nós fazemos parte de um grupo de pesquisa da Polícia Federal, com a participação de vários delegados federais do Brasil inteiro, docentes e outros pesquisadores. O livro foi organizado pelos Delegados da Polícia Federal, Clayton Bezerra, doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais na UMSA; e Giovani Agnoleto, aluno especial de doutorado na USP.

O livro é o décimo de uma série de estudos afetos ao trabalho daqueles que se interessam por políticas públicas na área de segurança pública e da defesa nacional.

A coleção já abordou quais temas?

A coleção já abordou os seguintes temas:

  1. Inquérito policial;
  2. Temas processuais penais da atualidade;
  3. Combate ao crime cibernético;
  4. Colaboração premiada;
  5. Busca e apreensão;
  6. Pedofilia;
  7. Combate às organizações criminosas;
  8. Segurança aeroportuária;
  9. Combate à violência contra a mulher; e
  10. Combate às Fake News.

 

Qual foi a sua participação neste livro?

A minha participação se deu com a publicação do Capítulo 14, sobre uma “Política Pública de Intervenção em Fake News pelo Governo Brasileiro”.

Este trabalho foi resultado do curso de Georgetown Innovation, Leadership and Government in Brazil (ILG Brazil 2017) promovido pela Escola Nacional de Administração Pública – Enap dado durante o evento do CEST/USP.

Mais especificamente, o artigo foi supervisionado pela Profa. Vera Kerr, do CEST/USP, que exerceu papel fundamental no sucesso do trabalho e foi elaborado com base nas recomendações do Applied Project do ILG, apresentadas a seguir:

  • Definição do problema: definição de uma política pública relevante para o país.
  • Definição das partes interessadas: elicitação das pessoas e instituições importantes para esta política pública.
  • Identificação e análise de políticas alternativas: descrição de pelo menos três abordagens para a solução do problema.
  • Recomendação: argumentação racional por uma abordagem preferida, com justificativa.
  • Estratégia de implementação: descrição dos processos necessários para a adoção da abordagem escolhida.
  • Indicadores: descrição dos indicadores relevantes a serem utilizados pare medir o progresso e o impacto.

Em seu artigo, quais foram as suas três alternativas para o enfrentamento do problema de Fake News?

A primeira abordagem refere-se a uma postura passiva do governo federal, assumindo uma posição de não-responsabilidade no enfrentamento do problema.

A segunda, diz respeito à tentativa de mitigar Fake News nos provedores de informação, em particular nas mídias sociais.

A terceira, foca na atuação com a gestão das marcas do governo, ou seja, a reputação das instituições do governo nas mídias sociais, fóruns online, sites de notícias etc.

A recomendação foi pela terceira, por ser menos invasiva e ao mesmo tempo mais responsável da parte do governo. E a estratégia de implementação recomendada preza pela privacidade e confidencialidade e a liberdade de expressão, com o desenvolvimento de um sistema de recomendação baseado em análise textual e aprendizado de máquina.

Este projeto está sendo implementado?

Sim. No estágio atual, estamos na fase de elaboração de uma Prova de Conceito, utilizando um dataset rotulado de mais de 7.000 notícias. O dataset utilizado também é balanceado, ou seja, 50% das notícias rotuladas como Fake News e 50%, como verdadeiras.

Assim, podemos realizar a extração, transformação e carga dos dados. Em seguida, realizamos a análise textual, análise exploratória, treinamento e teste de modelos de aprendizado de máquina, construção do modelo preditivo com melhor resultado e desempenho de processamento, e avaliação do modelo preditivo com dados reais, com a finalidade de indicar se uma notícia qualquer é Fake News ou verdadeira, com taxa de erro irrelevante, a ponto de garantir acurácia e precisão