NOVAS TECNOLOGIAS PARA A SOCIEDADE. Entrevista com o Prof. Rafał Łukasiewicz, Ph.D. e com o Prof. Rommell Ismael Sandoval Rosales, Ph.D.

Por Thiago Felipe S. Avanci, Ph.D.


No mês de novembro de 2020, o CEST – Centro de Estudos Sociedade e Tecnologias realizou o Seminário Internacional: Novas Tecnologias, Direito e Sociedade.

Algumas preocupações com Inteligência Artificial (IA) e novas tecnologias são, com certeza, válidas. Até porque as pessoas, em geral, não compreendem muito bem o que é IA e o associam à ficção científica.

Convidamos os professores Rafał Łukasiewicz, Ph.D., cuja pesquisa é sobre reprodução assistida em humanos e IA e o Prof. Rommell Ismael Sandoval Rosales, Ph.D, que pesquisa IA e procedimentos e atividades judiciais, para responderem algumas perguntas sobre seus temas de estudos, o que fizeram gentilmente.

Professor Rafał Łukasiewicz

P: Professor Rafał Łukasiewicz, como a inseminação artificial em humanos pode estar relacionada à IA e às novas tecnologias?

R: Minha pesquisa diz respeito a dois aspectos do uso de tecnologia de reconhecimento facial na reprodução de terceiros – encontrar um doador e buscar um doador por uma criança concebida por um doador. A semelhança entre o doador e os pais não genéticos pretendidos pode ser crucial. A tecnologia de reconhecimento facial dá a chance de selecionar um doador adequado entre milhares de doadores, levando em consideração suas características físicas. Além disso, a verificação de paridade facial pode ser o método eficaz de encontrar o doador pela criança concebida, mas provavelmente deve ser complementada por outras formas de busca do doador, por exemplo, testes de DNA.

P. Este procedimento é ético?

R. Às vezes, usar inteligência artificial pode ser moralmente controverso. Por exemplo, as clínicas oferecem tecnologia de reconhecimento facial como método de busca de doadores, que se assemelham a uma pessoa famosa, em vez de um pai não genético. A verificação de parentesco facial pode ser uma maneira de encontrar um doador nos casos em que ele ou ela era anônimo e não deu consentimento para acessar seus dados identificáveis. A tecnologia de reconhecimento facial deve ser acessível aos destinatários, mas com algumas limitações.

Professor Rommell Ismael Sandoval Rosales

P. Professor Rommell Ismael Sandoval Rosales, como as novas tecnologias e a IA podem ajudar o sistema judiciário?

R. Facilitar o trâmite dos processos judiciais e de seus atores. Na prática, computadores caros são usados ​​como leitores de palavras para escrever “resoluções” ou decisões judiciais

Em El Salvador, “os sistemas judiciais criaram […] Sistema Eletrônico de Gestão de Processos ou ECMS […] que permite: entrar com uma ação judicial; agendar audiências e etapas processuais; estabelecer comunicações com todos os atores do procedimento; gravar audiências orais; assinar documentos eletronicamente; […]” entre outros.

IA também pode ser uma ferramenta para sistemas de busca e indexação de decisões judiciais. Com o volume de decisões, há neste sistema judiciário motores de pesquisa para seus bancos de dados. A publicidade das decisões (protegendo dados de atores sensíveis) permite classificar linhas jurisprudenciais para conhecer precedentes ou como os juízes resolvem. Isso permite estabilidade e segurança jurídica.

P. O uso de IA para tomada de decisões judiciais não seria perigoso à livre decisão dos juízes?

R. Nos sistemas judiciais onde os recursos humanos e mesmo os equipamentos são escassos, estes sistemas eletrônicos permitem a distribuição interna aleatória entre tribunais, ordenando ou por data do processo, ou pelo tribunal ou mesmo pela complexidade dos processos. Esta pré-classificação pelos critérios anteriores ajudam a evitar a corrupção nos cargos públicos, impedindo os advogados de selecionar um tribunal preferido.

P. E isso não tornaria difícil para o acesso à justiça?

R. O uso de IA para pequenos processos jurídicos seria irrelevante, como alguns casos de consumo. Poderia ajudar a acelerar a solução. Em questões complexas, a IA pode ser uma violação de um julgamento justo. As pessoas têm direito a um juiz para apresentar seus casos. Qualquer erro pode gerar riscos para pessoas vulneráveis ​​(por razões raciais, povos indígenas ou LGTBI).

Q. Considerando isso, é possível afirmar que os advogados e os juízes estão  à beira da extinção?

R. A tecnologia deve facilitar melhores serviços jurídicos e melhores serviços judiciais. Não deve representar uma nova barreira ao acesso a uma proteção judicial efetiva ou ao direito à justiça, à verdade e à reparação judicial para todos os cidadãos. O algoritmo, ao pressupor certas condições que automatizam as ações, sem dúvida suprime o elemento humano da justiça: a aplicação de princípios e valores. Um juiz deve “avaliar pessoalmente” as ações verbais e não verbais dos atores em uma ação judicial. Uma atividade judiciária totalmente baseada em AI, “violaria as garantias judiciais básicas.

Analisando as duas entrevistas, é possível ficar mais tranquilo. Na verdade, hoje em dia, a sociedade humana não tem uma IA totalmente autoconsciente: IA-completa, capaz de fazer perguntas e pesquisar respostas. A IA disponível hoje consiste em uma hipótese de programação if-and-else (GOFAI – Good Old-Fashioned Artificial Intelligence) e IA machine learning, que se amolda a partir de tentativa e erro para preencher os dados que servirão de base para sua atividade. De todo modo, pelo menos por agora, o ser humano é quem fórmula as perguntas e faz a programação básica. Por esta razão, é improvável que a IA mate advogados e juízes ou intervenha livremente na reprodução humana…assim esperamos.