O quão inteligente pode ser uma “cidade inteligente”?

No dia 23 de junho foi realizado o debate sobre Smart Cities, abrangendo Sociedade e Tecnologia  na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Promovido pelo Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia (CEST) em conjunto com o InternetLab, o evento contou com a presença de especialistas de diferentes áreas do conhecimento, como arquitetura e urbanismo, psiquiatria, comunicação, engenharia e direito. O objetivo foi dar as mais diferentes e plurais visões ao tema das cidades inteligentes, procurando também adaptar a discussão para o cenário brasileiro.

O Prof. Dr. Clóvis Alvarenga Netto introduziu o tema da palestra ao público com o questionamento da validade do nome “Cidades Inteligentes”, tradução do inglês para Smart Cities. “O quão inteligentes são essas cidades?” foi a primeira provocação posta na mesa. Segundo o professor, os exemplos estrangeiros devem ser trazidos de forma diferente, pois a realidade do nosso país é completamente distinta – assim, o que é considerado “inteligente” para outros países pode não ser o mais adequado ao Brasil.

Ilustração utópica de uma cidade inteligente

As provocações iniciais contaram com a fala do arquiteto e urbanista Caio Vassão, que questionou o raciocínio objetivo que permeia o assunto das cidades inteligentes, acreditando ser necessário um debate mais profundo e subjetivo. Para o especialista, o cidadão deve participar da construção de sua cidade. Para isso, seria interessante uma cooperação entre a sociedade e quem proporciona a cidade para ela, como políticos, engenheiros e outros.

Juliana Nolasco, gerente de políticas públicas do Google Brasil, também participou das provocações iniciais. No início de sua fala levou a abordagem da “Internet das coisas”, que, segundo Nolasco, é o encontro da internet com o mundo físico, como lixeiras ou torradeiras “inteligentes”. Nolasco apontou para a necessidade de um bom uso das “coisas inteligentes”, já que imaginamos as cidades inteligentes como a aplicação de tecnologia nas cidades. O engajamento e participação da população, porém, foi apontado por ela como o aspecto mais importante para a construção de uma cidade inteligente. Um exemplo famoso citado foi do aplicativo Waze, que conta com a participação dos usuários para indicar quais trechos contém trânsito, acidentes, radares etc.

Após as provocações iniciais, teve início o debate em formato de mesa redonda, na qual participaram seis especialistas de diferentes áreas. A mesa foi moderada por Lucas Girard, do CEST, e Francisco Brito Cruz, do InternetLab, que conduziram o debate de forma descontraída.

O Prof. Dr. André Lemos iniciou sua fala quebrando a concepção de que a tecnologia está necessariamente ligada à cidade inteligente, dizendo que cada cidade é inteligente a sua maneira. Ele destacou também os maiores desafios de se ter uma infraestrutura urbana muito “conectada”, incluindo o perigo do hacking em sistemas da cidade que envolvem internet.

Fernando Gebara, profissional da área de normalização internacional, e Ana Paula Bruno, urbanista e que também trabalha como analista do Ministério das Cidades, abordaram tópicos semelhantes. Ambos destacaram a necessidade da acessibilidade das cidades inteligentes a pessoas com dificuldades, além do fato de algumas visões das tecnologias estarem muito distantes das reais necessidades brasileiras, como por exemplo, a redução das desigualdades sociais.

Hermano Tavares, professor e doutor do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, perguntou ao público presente quem portava um smartphone no bolso e, como era de se esperar, todos confirmaram. Com esse questionamento, ele quis mostrar como a tecnologia está tão presente no cotidiano social.

João Thiago Poço, gerente de desenvolvimento de negócios da Microsoft, voltou a falar da importância da participação popular e também da necessidade de políticas públicas para a construção das cidades inteligentes, levantando ainda a questão da privacidade. Em seguida, a coordenadora da área “Vigilância e privacidade” do InternetLab, Jacqueline Abreu, retornou à ideia de perigos de hackeamento de sensores, apps, etc. Ela mostrou também preocupação com o uso dos dados do cidadão e sua privacidade. Dessa forma, finalizou-se o primeiro bloco da mesa redonda.

Após o coffee break, iniciou-se a segunda rodada. André Lemos comentou os benefícios da tecnologia na sociedade, como exemplo, mencionou as lixeiras de Dublin que alertam os coletores de lixo quando cheias para evitar viagens desnecessárias dos coletores à lixeiras vazias. Entretanto, Ana Paula Bruno crê que, no caso das lixeiras, seria mais eficiente uma solução que diminuísse o volume do lixo, embora veja também pontos positivos a utilização da tecnologia. Já Jacqueline Abreu criticou os avanços tecnológicos que sejam excludentes. Ela acredita que caso houvesse a implementação dessas lixeiras nas grandes cidades só seriam nas regiões centrais.

Neste ponto, Hermano Tavares criticou a relação do indivíduo com os espaços urbanos públicos, que hoje são vistos apenas como um local de passagem. Fernando Gebara concordou com a fala do colega de mesa e também questionou a situação dos espaços urbanos. Em contraponto, Ana Paula acredita que hoje há um movimento de apropriação desses espaços.

Logo depois das exposições iniciais desse bloco, houve um primeiro momento para perguntas dos espectadores. Questionados sobre a necessidade de se corrigir as formas negativas como indivíduo lida com o espaço urbano antes de pensar em “cidades inteligentes”, André e João creem que a tecnologia tem um grande papel para auxiliar na correção, mas dependem também da ajuda coletiva dos cidadãos. Hermano disse que deveria haver um programa de educação às pessoas que estão inseridas na tecnologia e Jacqueline afirmou que só com cidadãos inteligentes será possível corrigir erros urbanos.

Na última rodada do seminário, foi questionada aos convidados a importância de “cidades sustentáveis” ao invés de “cidades inteligentes” e como manter a privacidade no contexto dos avanços tecnológicos. André Lemos relatou que já existe um movimento de conscientização social para uma sociedade sustentável, porém não se pode depender desses resultados e, por isso, é importante os projetos de cidades inteligentes. Hermano e Fernando se despedem após concordarem com a importância da privacidade nesta era tecnológica. Jacqueline afirmou que mesmo havendo uma evolução tecnológica é imprescindível o direito à privacidade a qualquer cidadão. João criticou as grandes empresas por usarem dados de clientes para seu ganho próprio. Por fim, Ana Paula fechou o seminário falando da importância da tecnologia como ferramenta para interferências políticas.

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