Quando a ciência alcança a filosofia

Autor: Lucas Lago

Uma ferramenta importante da filosofia é o que chamamos de Gedankenexperiment que na tradução literal significaria “experimento de pensamento”. Esses experimentos são definidos pela enciclopédia de filosofia de Stanford como “dispositivos da imaginação para compreendermos a natureza das coisas”.

Vários desses experimentos ficaram conhecidos por serem icônicos em seus respectivos campos como:

– Na física quântica temos o experimento do gato de Schrodinger

– Na termodinâmica o demônio de Maxwell

– Na ética o conhecido dilema do bonde

Mas esses experimentos nunca foram pensados como problemas que seriam testados em campo. Não eram arcabouços de pesquisas futuras com rigor metodológico e científico, até porque nem sempre tratavam de possibilidades reais.

Porém a tecnologia evoluiu e alguns desses experimentos estão sendo discutidos sob uma nova ótica. E alguns dos dilemas propostos por eles estão sendo solucionados.

William Molyneux, filósofo irlandês do século XVII, propôs o seguinte gedankenexperiment:

Se um homem nascido cego após tocar e sentir a diferença entre cubos e esferas recebesse a capacidade de enxergar, ele seria capaz de diferenciar entre esses objetos apenas utilizando a visão?

A questão acima discute se existe uma ligação entre os modelos mentais que criamos quando utilizamos o tato como fonte sensorial e os modelos mentais que possuímos quando utilizamos a visão como fonte sensorial.

Um estudo publicado em 2011, mostra que a resposta a essa pergunta provavelmente é não. Cinco pacientes foram submetidos a uma cirurgia e 48 horas após serem capazes de enxergar foram testados na capacidade de ligar objetos sentidos e objetos vistos. (Link do artigo)

A questão proposta por Molyneux demorou alguns séculos para ser respondida e tem pouca consequência para o dia-a-dia, mas agora vemos outro experimento desses ser debatido com um certo ar de preocupação, o dilema do bonde.

Esse problema foi introduzido por Philippa Foot em 1967, pode ser descrito da seguinte forma:

Um bonde está fora de controle em uma estrada. Em seu caminho, cinco pessoas na pista que não conseguirão escapar e serão mortas. Felizmente, é possível apertar um botão que encaminhará o bonde para um percurso diferente, mas ali, por desgraça, se encontra outra pessoa. Deveria apertar-se o botão?

Esse problema por existir no âmbito da ética não possui respostas fáceis, apesar da maioria das pessoas decidir que provavelmente apertaria o botão. Porém hoje com a evolução da tecnologia de transportes estamos presenciando a seguinte discussão:

Ao programar meu carro autônomo, eu deveria colocar em sua programação que para evitar a morte de cinco pessoas no meio da rua, eu poderia desviar para a calçada atropelando somente uma pessoa?

Ou ainda, considerando que o carro possui passageiros:

Ao programar meu carro autônomo, eu deveria colocar em sua programação para que ele sacrifique o passageiro se essa ação irá salvar cinco pedestres?

Qual seria a decisão ética? Qual seria a melhor decisão economicamente falando? Pesquisas indicam que as pessoas gostariam que carros fossem programados para sacrificar seus passageiros, mas que elas jamais comprariam um carro que as sacrificaria.

Diferente do problema de Molyneux, o dilema proposto por Foot tem implicações éticas sérias e as discussões desses quase 40 anos devem ser utilizadas para pautar a discussão da programação dos carros autônomos.