Entrevista com o Dr. Rodrigo Filev sobre Smart Homes

– 25 de abril de 2018 –

De acordo com o Professor Dr. Rodrigo Filev, a tecnologia de Smart Homes está silenciosamente invadindo nossas casas.

Foto: CEST-USP
Prof. Filev, como o sr. vê o futuro da tecnologia ‘Smart Home’?

Não vejo como um futuro, mas como algo do presente que silenciosamente invade os lares, e para o bem ou para o mal, uma mudança está ocorrendo e estamos nos habituando a uma nova realidade. Hoje há diversos kits de internet das coisas para você instalar em sua casa e facilitar uma série de tarefas domésticas, como verificar janelas abertas, presença de pessoas, ou indicar quando alguém abre ou fecha a porta. Há pessoas que usam este tipo de tecnologia para verificar se os filhos chegaram em casa enquanto eles (os pais) estão no trabalho. Empresas estão vendendo serviços de monitoração doméstica que podem ser utilizados remotamente. O smartphone é uma interface muito utilizada para diversos mecanismos de automação doméstica ou de serviços que são prestados quando você está em casa. Há diversos kits de automação residencial que se integram a aplicações em smartphones para se fazer uma infinidade de configurações, desde pontos mais simples, como gerenciar as lâmpadas de um ambiente ou ativar atuadores que alteram fisicamente o ambiente (como elementos que trancam as portas ou desligam algum eletrodoméstico – cortando a energia de uma tomada).

Poucas destas soluções possuem mecanismos de inteligência artificial para tomada de decisões autônomas. No Brasil ainda é raro, mas está sendo cada vez mais comum em lares estrangeiros a presença de assistentes virtuais que monitoram as conversas das pessoas da casa e sugerem produtos e serviços quando detectam uma necessidade ou um evento. Note que isto significa que há um elemento eletrônico, ligado em nuvem com um provedor de serviços, que monitora constantemente o ambiente doméstico e aprende sobre hábitos, necessidades, ou até mesmo desejos.

Imagino que no futuro teremos equipamentos robóticos presentes em nossas casas, pois quando se fala em Internet das Coisas há grande ênfase para os sensores, mas pouca para os atuadores. Contudo, uma das grandes mudanças que a Internet das Coisas traz é a possibilidade de atuação no ambiente. Hoje ainda não é comum no Brasil os lares terem aspiradores de pó autônomos que limpam a casa, sem intervenção humana constante, mas em breve serão equipamentos usuais.

Quais são os maiores desafios dessa tecnologia?

De imediato, a privacidade é um dos grandes desafios. Realmente é, pois, coletando-se tantos dados sobre um indivíduo se poderá saber tantas coisas que é bastante possível que sistemas computacionais descubram características ou atividades que ele não deseja que sejam conhecidas. É bastante viável que algoritmos de IA, colecionando informações de diversas fontes, consiga “descobrir” um segredo. Note que essa questão é bastante atual e está em discussão em fóruns importantes como o IEEE. Como membro do CEST e da FEI eu participo do grupo P7004 do IEEE que tem como missão regular o uso de dados de crianças por empresas. O grupo surgiu devido a empresas coletarem muitos dados de crianças durante sua vida escolar através de sistemas eletrônicos desenvolvidos para auxiliar a escola e a criança, mas esse acúmulo de dados pode ser utilizado para estimar o futuro de uma criança, o que pode comprometer até mesmo sua independência futura.

Mas uma outra questão, também relacionada com a privacidade, chama bastante a atenção. Imagine o seguinte cenário: você tem um assistente virtual que monitora a sua casa, e que quando percebe que você precisa de um produto, ou se você está triste, oferece algo para lhe auxiliar. Isso já é possível e acontece. Imagine que esse mesmo dispositivo reconhece se uma voz é de um adulto ou de uma criança. Agora suponha que o assistente virtual “ouça” algo que parece ser uma discussão em que um adulto esteja gritando e uma criança chorando. E ainda que tenha uma frase na qual seja dita a palavra “matar” ou “esganar”, por exemplo. O que será o certo a fazer? O assistente deve avisar a polícia que há um potencial homicídio em andamento? Ou deve avisar que uma criança está em situação de perigo? Qual é o risco de o aviso ser um engano? Mas e se o aviso não for um engano e uma falta de ação resultar em uma criança como vítima de qualquer incidente? O assistente é culpado? O fabricante do assistente é culpado? O sistema conseguiria interpretar situações para vender produtos e serviços, mas não poderia salvar uma pessoa em situação de risco? Esses são apenas alguns dos dilemas a serem enfrentados em um futuro bastante próximo.

Na sua opinião, esse tipo de tecnologia vai ser viável a todos?

Não vejo esta tecnologia sendo empregada em todos os lares brasileiros em um curto espaço de tempo, mas em um futuro, sim. Parece-me que a adoção desta tecnologia será mais rápida em alguns países devido aos custos. No Brasil ainda temos que nos preocupar com questões seculares mais simples tecnologicamente e que trarão um ganho na qualidade de vida das pessoas. No futuro, boa parte destas tecnologias será como ter uma televisão em casa. Como enfrentamos um abismo digital, não só no Brasil, mas também em muitos outros países, diversos lares terão este tipo de tecnologia na próxima década e alguns terão a Internet das Coisas presente no seu cotidiano doméstico, e terão isto como algo absolutamente normal. Provavelmente esta tecnologia será aplicada primeiro no comércio de grandes cidades, e é fato que esta adoção já começou. Hoje temos até mesmo esta tecnologia no transporte de massas (pelo menos, um caso no Brasil). Veja que há outdoor de propaganda em portas de plataformas que reconhecem as expressões faciais dos passageiros. A pergunta que fica é o que será feito com esses dados e como serão utilizados para aprimorar os serviços prestados.