Entrevista com Clovis Alvarenga Netto sobre experiência de liderança e Inovação aplicada

-28 de junho de 2021-

Clovis Alvarenga Netto é engenheiro de Produção, Mestre e Doutor em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Brasil. Especialista em Administração Industrial pela Scuola Superiore Meccanotessile e Tessile, Itália. Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e Professor Colaborador do CEST.

 

  1. Você está envolvido em projetos sobre Liderança e Inovação, certo? Para iniciarmos, como você definiria esses termos?

Pode-se considerar como inovação a arte de criar soluções para o cliente, com valor agregado, e implementá-las. Nesse sentido, vale destacar que é arte, pois além de aspectos tecnológicos deve considerar a empatia com o público alvo e a adaptação dos usuários à proposta; criar, pois envolve um design inusitado, uma forma inédita de abordar a necessidade identificada; soluções pode ser a resolução de alguma limitação já existente e detectada, de uma forma inusitada, ou a diminuição das dificuldades do cliente, mas também pode ser o aproveitamento de alguma oportunidade que tenha surgido em função de mudanças tanto na tecnologia quanto no comportamento e expectativas da sociedade; cliente, pois o design inovativo deve ser projetado ou criado, ou seja, não surge espontaneamente, mas deve ser direcionado a algum cliente ou pessoa interessada na proposição feita; valor agregado, pois deve ser atrativo para atrair os interessados na proposição; implementar, pois deve ser colocada em prática, deve ser aplicada, superando as próprias barreiras que surgem quando da sua colocação em funcionamento.

Liderança pode ser considerado o processo de trazer propósito e direcionamento às pessoas envolvidas com o design do empreendimento, agregando esforços e utilizando os recursos identificados como necessários e disponíveis.

 

  1. Você poderia dar um exemplo de projeto em que você atuou que trabalhou com liderança e ou inovação?

Diversos foram os projetos desenvolvidos, cada qual com suas peculiaridades ou graus de implementação. Mais recentemente houve um projeto bem interessante  envolvendo a avaliação de rebanho de gado de corte, projeto na área da pecuária. Foi um desafio, pois a situação atualmente utilizada se dá em um ambiente de dificuldade de avaliação do rebanho, por dificuldades na captação de imagens do gado, do ambiente de calor, trabalho muito dependente do julgamento das pessoas, sujeito a variações no grau de precisão e também pela subjetividade. As possibilidades tecnológicas disponíveis para serem aplicadas estão evoluindo rapidamente e, naquele momento, não eram de todo conhecidas pela equipe. As práticas atuais empregadas no campo ainda não fazem largo uso da tecnologia existente e a equipe tinha um grau de experiência ainda em formação. Houve envolvimento de profissionais veterinários (especialistas), conhecimentos advindos das áreas de Computação, de Mecatrônica e de Engenharia de Produção, além do necessário contato com pecuaristas.

O projeto permanece em andamento, mas já trouxe frutos com trabalho aprovado e apresentado em Congresso Internacional na área de Gestão de Sistemas de Informação e Tecnologia.

Escrevi o boletim O Design Thinking estruturando a aprendizagem multidisciplinar e inovação publicado em novembro de 2020 em que teço considerações a respeito do projeto aqui descrito.

 

  1. Você se considera um líder nato? Na sua opinião, todo professor tem atitudes de liderança? Caso negativo, como desenvolver o potencial de liderança?

Como processo, a liderança tem aspectos que podem ser mais naturais para algumas pessoas, como a curiosidade, a empatia, a agregação de pessoas, o raciocínio lógico, mas essas características também podem ser desenvolvidas com o desenvolvimento acadêmico e profissional, com a participação em projetos. A educação formal pode não ser um pré-requisito para o líder, mas ajuda no desenvolvimento mais fundamentado, permitindo o aprendizado rápido a partir dos erros anteriormente cometidos, assim como também com os acertos dos líderes em experiências do passado. Uma fundamentação conceitual e teórica são bases importantes para transmitir confiança à equipe, crença de que o caminho a ser percorrido vale a pena, assim como os riscos inerentes à inovação. É condição relevante, mas não suficiente. O líder pode ser considerado a pessoa que inspira outros a trabalharem em equipe, com metas a serem alcançadas e ajudando cada um a alcançar os resultados para todo o grupo.

Os professores estão em uma situação em que fornecem um direcionamento das atividades, estabelecimento de metas com seus cursos, possibilidade de envolvimento dos alunos individualmente e em equipes.  Dessa forma tendo, ao menos a princípio, condições para liderar a turma e o desenvolvimento de cada curso. Mas é preciso ter atitude para liderar a classe. Diversos treinamentos podem ser realizados. A participação em equipes, com líderes mais experientes, também pode muito contribuir com o desenvolvimento da liderança. O aprender fazendo também contribui muito com a formação do líder.

 

  1. Os seus alunos o veem como um líder? O que eles apontam como suas características mais fortes/predominantes para o considerar líder?

No desenvolvimento das atividades como professor e pesquisador, tenho tido a oportunidade de me relacionar bastante e com grande variedade de alunos. Um dos momentos relevantes na formação desses futuros profissionais é a realização do Trabalho de Formatura, que em diversos lugares se chama Trabalho de Conclusão de Curso.  Durante o período de formação em engenharia, é relevante no complemento dos estudos e na participação em projetos de Iniciação Científica. Tanto no desenvolvimento de cursos regulares, como nos projetos de Iniciação Científica, eu tenho sido procurado por grande quantidade de alunos, inclusive por aqueles de outros cursos para, sob minha orientação, desenvolver o trabalho. Também é possível relatar caso de alunos, participando de cursos no exterior, em universidades renomadas, que, quando precisam fazer trabalho sobre Inovação, me contatam para fazer uma entrevista como esta. Também há caso de aluno ter frequentado disciplina minha e ter permanecido para desenvolver projeto de pesquisa em tema ainda inovador na Engenharia, justamente por ter sido bem acolhido e se sentir valorizado como estudante. Esse fato pode evidenciar que exerço algum papel de liderança.

Entre algumas das características que minhas equipes têm notado, estão a de uma pessoa que não mede esforços para auxiliar e colaborar com o grupo, alguém que muitas vezes sacrifica os próprios horários particulares em prol do conjunto, ou seja, que trabalha para facilitar, para que a própria equipe encontre os meios de se desenvolver.

Também há a questão de ser um bom ouvinte, balanceado nas opiniões, sempre interessado em descobrir e trazer novidades e novas ideias. Ainda há a questão da resiliência. Já há algum tempo em que se tem o líder como alguém resiliente, pois as dificuldades fazem parte do trabalho profissional e diversas vezes os esforços não são reconhecidos ou mesmo notados. É preciso estar próximo da equipe e isso traz bons resultados.

 

  1. Você acredita que o papel do professor é de também criar condições para que seus alunos se tornem líderes? O que é preciso fazer para que isso ocorra?

Um dos desafios para o professor é permitir que as características de liderança de seus alunos possam se desenvolver. Certamente é meritoso liderar um grupo, mas isto não significa que todos devam, necessariamente, querer se tornar líderes de equipes. O desenvolvimento de pessoas requer outras habilidades, além das técnicas. Há muito trabalho relevante e compensador para os membros de equipes, com enormes contribuições, mas que não precisam, necessariamente, significar liderar os demais. O professor pode notar alguns posicionamentos dos alunos e ajudar a desenvolvê-los de forma positiva, dando exemplo, ou mostrando onde podem obter novas informações sobre como desenvolver e aprimorar essas características. Também pode ajudar a desmistificar algumas referências que não sejam tão relevantes de serem seguidas.

 

  1. Você poderia dar um exemplo de uma grande conquista que teve? O que você considera como aspectos fundamentais para que a conquista fosse obtida?

Eu criei um laboratório de estudos, o LEDss – Laboratório de Estudos em Design de Serviços e de Sustentabilidade, no Departamento de Engenharia de Produção da Poli/USP, tendo como pontos relevantes de estudo as atividades de Design de Serviços e os aspectos aplicados de Sustentabilidade. Pouco depois passei a frequentar as reuniões do CEST – Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia, onde se discutia muito dos aspectos sócio-técnicos do uso da Tecnologia da Informação, com uma forte contribuição de conhecimentos vindos da área do Direito, como a Privacidade e Proteção de dados, além dos aspectos de Educação universitária e aprendizagem. A combinação de trabalhos de inovação em serviços, tecnologia da informação e comportamento das pessoas aliada à experiência das discussões conceituais pertinentes permitiu  estender estudos para as chamadas Cidades Inteligentes. Note-se que o termo evoluiu de Cidades conectadas, Cidades digitais, para esse nome que está se difundindo de forma mais consistente atualmente: Smart Cities ou Cidades Inteligentes. Em seguida, tive a oportunidade de fazer um pós-doc no Politecnico di Milano, onde foram incluídos temas como Internet das Coisas (IoT), ou seja as áreas de estudo foram se ampliando.

O LEDss promovia apresentação de trabalhos em eventos como “Serviços na Praça” e “Sustentabilidade na Praça” que eram mostras de trabalhos de disciplinas e a inovação estava em termos de apresentações abertas na USP, em forma de pôster, como em uma Feira de trabalhos. Essas mostras de trabalhos contaram com o apoio e com a participação de avaliadores do CEST. A apresentação dos trabalhos desenvolvidos, para grandes grupos, é algo que os profissionais estão, cada vez mais, precisando se capacitar a realizar.  Tempos atrás, gravar um vídeo com a apresentação de um projeto era uma prática pouco usual, mas as turmas de hoje já estão melhor se preparando para fazer e é um aprendizado relevante que se faz praticando.

Mais recentemente há projetos em andamento envolvendo aplicações com drones, o que traz o desafio de conhecer melhor a tecnologia e seus usos, considerar novos comportamentos da sociedade (como a privacidade), aprender a desenvolver novas aplicações, além de inserir a Poli/USP no cenário mundial de uso dessa nova tecnologia. Esses projetos contemplam novos Serviços e uso de Tecnologia ambos voltados para a melhoria da vida na Sociedade.

Como fundamentais para esses projetos com drones, podem-se destacar ao menos três aspectos: 1)  o pertencimento a um grupo que estuda e se interessa por inovações e novas aplicações de tecnologia, 2) o relacionamento com centros de excelência ou grupos com projeção sobre temas relevantes, 3) proatividade para levar adiante um trabalho com perspectivas de longo prazo. Mas talvez o mais relevante seja o agrupamento de pessoas que estejam dispostas a levar avante os desafios e as aprendizagens que podem ser vivenciados.

 

  1. Qual foi o maior desafio que você teve que enfrentar? O que aprendeu com isso?

O desafio permanente é de se manter atualizado com as novas descobertas tecnológicas, as descobertas de novos comportamentos dos clientes, considerando ainda os novos desafios de estruturação dos processos de inovação, ou seja, a inovação de gestão. É preciso estar atento e ativo quanto aos movimentos em produtos, serviços e gestão. São muitas e rápidas as mudanças em todas essas frentes de atuação. O que mais se pode aprender sobre essas mudanças é que elas não terminam, sempre surgem novas, as equipes de trabalho também se renovam e desejam posturas inovadoras na gestão. Esse é um dos maiores desafios da inovação: como fazer inovação e como manter-se como inovador. É um processo que precisa liderança para que efetivamente aconteça.

 

  1. Falando em inovação. Como você conecta inovação e liderança? Inovação e liderança andam sempre juntas?

Do ponto de vista prático, as inovações não surgem naturalmente, ou seja, elas devem ser pensadas, planejadas, desenvolvidas e implementadas, com muito esforço e senso de oportunidade. Um processo dessa monta precisa, necessariamente, ser organizado e conduzido por pessoas, o que requer algum tipo de liderança. Portanto, a inovação deve andar casada com a liderança. Pode haver atuação de líderes em desenvolvimentos de aplicações e trabalhos em equipes, sem necessariamente conduzirem a inovações, embora estejam focadas na solução de problemas. No entanto as inovações devem ser lideradas, pois além das descobertas de novos fenômenos ou novas tecnologias, é preciso ação para trazer esses novos conhecimentos em resultados aplicados.

 

  1. Fala-se em inovação aberta e inovação fechada. Qual a diferença entre essas duas abordagens e como impactam onde são utilizadas?

Os processos de melhoria podem ser provenientes da solução de problemas (já existentes), mas também da inovação, com um outro olhar sobre as necessidades (declaradas ou não) dos clientes. De forma resumida, pode-se dizer que muitos dos desafios, cuja solução está em novos serviços, provém de necessidades advindas da sociedade ou externamente às organizações. Esse deveria ser o ponto de partida dos processos de melhoria.

A origem das inovações está na percepção das dificuldades, restrições e limitações impostas aos clientes ou nas novas oportunidades tecnológicas que vão surgindo cada vez mais velozmente. Isso é externo à organização, então é preciso estar antenado com os movimentos externos para novas oportunidades ou necessidades de soluções. Essas percepções podem estar sendo também desenvolvidas por outros grupos de pesquisa e a troca de informações pode trazer ganhos para todos os envolvidos. Esta é a base da inovação aberta.

A busca das soluções também pode ser dar internamente à organização, com equipes próprias e conhecimentos desenvolvimentos pelos profissionais próprios, o que pode trazer resultados promissores do ponto de vista da vantagem de ter encontrado aplicações antes que a concorrência. É a base da inovação fechada. No entanto, até por limitações de conhecimento do pessoal, esses desenvolvimentos podem ser mais lentos, pois ninguém domina todos os conhecimentos e técnicas existentes. A impressão de que a empresa é rápida em seus desenvolvimentos, na verdade reside no fato de que a solução surgiu antes dos concorrentes, mas não necessariamente teve uma duração tão reduzida.

Na inovação aberta, é relevante estar ligado e antenado com o conhecimento sendo desenvolvido externamente à organização, nas diversas combinações de uso da tecnologia, na aceitação de soluções pela sociedade, clientes e usuários, aspectos que outros grupos podem ter se aprofundado e dominando com mais propriedade. A palavra-chave é o compartilhamento.  Esses casos de inovação aberta parecem implicar mais em uma combinação feliz de aspectos que estejam “compartilhados” por uma comunidade mais ampla, de forma criativa e inovadora, ao invés da descoberta de aspectos específicos e focalizados. A inovação aberta tem a vantagem de acelerar os desenvolvimentos inovadores pelo fato do compartilhamento do conhecimento, além de favorecerem a criação de padrões tecnológicos mais amplamente aceitos.

 

  1. Outros termos associados com inovação são incremental e disruptiva. Existe diferenças entre inovação incremental e inovação disruptiva?

É importante considerar o tipo de produto, ou serviço que se esteja, mais do que isso, a Cadeia de Valor na qual a organização esteja inserida. Melhor seria chamar de Rede de Valor, pois a cadeia sugere que se esteja tratando de um caminho único e linear, do início do processo até a entrega do produto ou serviço ao cliente final. Há redes de valor mais estáveis, com inovações tecnológicas mais cadenciadas, com empresas que permanecem no mercado por muito tempo. O importante para estas organizações é o fato de estarem permanentemente propondo novas soluções e se reorganizando constantemente para gerir os recursos humanos que são, em última análise, os que trazem inovação de produtos, de processos, e organizacionais. São os casos tipicamente de inovação incremental.

Por outro lado, temos também casos de inovação radical, ou disruptiva, que consiste em trazer um outro olhar para as necessidades dos clientes. A pergunta chave a ser respondida é: o que o cliente, efetivamente, deseja? O que agrega valor ao cliente? Isto significa perguntar não o “como” o cliente gostaria que as coisas funcionassem, ou como deveria ser o produto desenvolvido, mas sim “porque”, qual a razão pela qual o cliente precisa de alguma necessidade ser melhor resolvida. Essa pergunta é o ponto de partida do design de soluções inovadoras. É o que está trazendo novos desenvolvimentos nos centros mais desenvolvidos de Design. O Design de novos serviços é, certamente, a abordagem mais inovadora no desenvolvimento de novos serviços. Como é um processo em desenvolvimento e implementação, ainda não é a abordagem mais difundida. Note-se que atualmente é relevante para muitas organizações se apresentarem como inovadoras. A dificuldade está justamente em como trazer essa nova abordagem, essa nova postura para as equipes de desenvolvimento e de design para efetivamente implementá-las e inovar no mercado.  

 

  1. Qual é na sua opinião o maior desafio e benefício trazidos por uma inovação?

O maior benefício é o de efetivamente trazer um sentimento de avanço, de progresso, na sociedade onde estas soluções são implementadas. É a sensação de que a tecnologia está sendo desenvolvida, não como um fim em si mesma, mas aplicada para atender necessidades das pessoas (dos cidadãos). O que efetivamente traz para o cidadão a sensação de que seu país é desenvolvido é o conhecimento de que os serviços disponíveis realmente solucionam necessidades do dia a dia.