Entrevista com o Professor Clóvis Alvarenga Neto da Escola Politécnica da USP sobre experiência no ensino remoto

– 18 de maio de 2020 –

Clovis Alvarenga é professor colaborador do CEST e professor do Departamento de Engenharia de Produção da Politécnica da USP. Alvarenga Neto é engenheiro de produção, mestre e doutor em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Especialista em Administração Industrial pela Scuola Superiore Meccanotessile e Tessile, Itália,e Lead Assessor (Auditor líder) em Sistemas de Gestão da Qualidade pelo Quality Management International, Inglaterra.

 

Clovis Armando Alvarenga Netto

1. Você já tinha alguma experiência de ensino online, ou foi levado a oferecer suas disciplinas  online em resposta à crise do COVID-19?

Eu tive a oportunidade de ministrar algumas disciplinas na modalidade online em cursos da UNIVESP (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) em 2017 e 2018. Naquela ocasião, além de preparar o conteúdo das disciplinas, gravar as aulas, recomendar leituras, preparar exercícios pré e pós aula, eu também exercia o papel de tutor, resolvendo dúvidas que surgiam, durante a aula. Além disso, fazia atendimento de plantão em horários previamente combinados com a classe e participava de reuniões com a coordenação do curso sobre questões mais genéricas das várias disciplinas.   Os cursos sobre Engenharia de Métodos e sobre Gestão da Qualidade continuam disponíveis no Youtube.  Ainda hoje, frequentemente alunos que me encontram em eventos ligados à Engenharia de Produção comentam sobre as aulas. Alguns alunos me escrevem dizendo que assistiram às aulas e pedem sugestões de desenvolvimento profissional. Esta experiência tem sido gratificante.

Em 2018 participei de um curso de Educação online para Professores, na USP, tendo sido também monitor desse curso na edição seguinte. No ano de 2019 também participei de eventos sobre métodos de aprendizagem na Escola Politécnica, assim como de um curso mais conceitual e aplicado a práticas educacionais na sala de aula e, ainda, tomei contato com a questão da “aula invertida”. Já em 2020, durante uma semana, participei de um evento sobre aspectos relevantes no desenvolvimento e aplicação da “aula invertida”. Esses eventos todos, na Escola Politécnica, favoreceram muito o estabelecimento de uma base conceitual relevante a ser aplicada na aprendizagem em nível superior.


2. Quais são os maiores desafios que você está enfrentando nessa nova modalidade de ensinar e aprender online?

São diversos os desafios. Primeiramente, o fato de você estar “falando para a tela”, como afirmam diversos docentes, sem conseguir notar as expressões faciais das pessoas do outro lado. Nas plataformas computacionais que tenho utilizado, faço uso de uma ferramenta que possibilita aos alunos fazerem comentários ou enviarem mensagens. Normalmente os alunos estão com os microfones desligados para não haver interferência de ruídos de fundo, mas sempre que alguém quer fazer um comentário, basta desbloquear o microfone, ou escrever no chat. Nesse momento, é possível ver o nome do aluno que está fazendo o comentário. Essa necessidade de interação é muito relevante.

Outro desafio é o de lidar adequadamente com a questão de manipular os diversos recursos das plataformas. Por exemplo, costuma ser útil projetar uma imagem na tela para que todos possam seguir a explicação, e ainda ter espaço para saber se alguém quer interagir. Às vezes, pode ocorrer de parte da tela ficar cortada para quem está remotamente. Em outros momentos, quando se quer exibir algum vídeo, pode ocorrer da recepção estar sem som, isto é, os alunos assistirem ao vídeo, mas com som inaudível. Até que este fato seja informado por algum aluno (ou pelo monitor da disciplina), podem passar diversos segundos, o que, nesta forma de interação é um tempo enorme. Vale ressaltar que um dos recursos presentes nas aulas presenciais é o monitor da disciplina. Nas aulas online a participação do monitor mudou, passando a auxiliar o professor nas informações de transmissão ou ajustes necessários.

Nas primeiras semanas de aula a distância, a sensação ao final do dia é de quase exaustão do professor. No momento estou ministrando três disciplinas, sendo duas delas disciplinas inéditas, o que envolve também o desafio de ministrá-las pela primeira vez.

Mas há outras recompensas. Em uma classe com cerca de setenta alunos e um total de cento e cinquenta a cada semana, é muito difícil guardar o nome de cada um. Agora com os chats e o nome identificando quem está fazendo pergunta ou comentário, cada aluno passa a ser conhecido pelo nome, o que na percepção de diversos docentes, é muito bom, pois é um dos momentos de interação professor-aluno.

É interessante destacar que, em boa parte das apresentações que os alunos fazem, enquanto um explica o raciocínio, outro monitora a apresentação. É uma forma dos alunos dividirem o trabalho e que tem sido bastante frequente. Isto sugere que há a necessidade de trabalho em equipe também para monitorar os recursos tecnológicos na hora da apresentação.

Eu costumo saudar, pelo nome, cada aluno que entra na sessão, o que revela a presença a todos os demais e ao professor. Ajuda a “quebrar o gelo”. Ser chamado pelo nome é positivo, respeitoso e aproxima um pouco mais todos os envolvidos.

3. Que estratégias didático-pedagógicas você adotou e está aplicando em sua disciplina para envolver e engajar os alunos?

São diversas estratégias. Uma diz respeito ao preparo do aluno para a aula. Dependendo da disciplina, os alunos devem fazer uma leitura ou assistir a um vídeo, preparar um resumo da leitura, ou responder a um questionário, enfim, fazer uma preparação pré-aula. Durante a aula propriamente dita, é apresentado o conteúdo, ou são feitas apresentações pelos alunos, em grupos, e aplico dinâmicas que exigem a atenção de cada aluno nas apresentações dos demais grupos. Esta é uma forma lúdica de obter a participação dos estudantes, motivando-os pela atualidade dos temas propostos e pelos desafios de encontrar características similares nos casos relatados de empresas. Eles podem acessar as informações em sites, artigos científicos ou divulgações da empresa em revistas de setor empresarial. Essa prática que já era utilizada nas aulas presenciais, tem se mantido nas aulas online. Na modalidade online, todos os alunos têm permanecido na “sala” até o final da aula.

De forma geral, o objetivo dos temas e das dinâmicas é  tratá-lo de forma aplicada e que os próprios alunos possam constatar quão atual e relevante são os assuntos.

A percepção, até o momento, é que a atenção e participação de todos têm sido grandes e a qualidade dos trabalhos, o nível de detalhe e riqueza de conteúdo, excelentes. O tempo da aula parece ter ficado curto, o que indica que as atividades são de tal forma envolventes, que o tempo da aula passa “voando”. Dá gosto sentir o progresso e empenho de todos.

4. Quais são as maiores limitações que você vem encarando. Por quê?

Entre as limitações, pode-se pensar na questão das avaliações. Os trabalhos em grupo, como já dito, estão de excelente nível, e têm promovido o diálogo, consenso e trabalho em equipe. Uma avaliação individual será realizada no final do semestre e já estão sendo preparadas as questões abrangendo os diversos temas tratados nas disciplinas. Não creio que a avaliação individual seja a barreira mais difícil a ser transposta.


Quanto à comunicação, as interações ocorrem em aulas síncronas, mas está permanentemente aberto um canal para troca de mensagens e esclarecimentos de dúvidas que surgem durante as atividades assíncronas. Os endereços eletrônicos do professor e do monitor são divulgados logo no início da disciplina justamente para essas outras interações.


5. Como os alunos têm reagido às mudanças educacionais impostas pelo COVID-19?

A reação tem sido muito positiva. Em manifestações espontâneas, os alunos demonstraram reconhecer o esforço da Escola e do professor em manter as atividades didáticas, de modo a que eles não sejam prejudicados com o andamento dos estudos.


Em uma turma (disciplina) do último ano da escola, a presença tem sido muito próxima de cem por cento, o que evidencia o engajamento da turma. Nas outras disciplinas, optativas e com alunos predominantemente de segundo ano, a presença também é regular e próxima a cem por cento da turma. Faço também uso de ferramentas de comunicação da plataforma, onde posto artigos de leitura, coloco orientações para as atividades extra classe e são entregues os trabalhos realizados.


Os alunos também relatam que o aproveitamento de tempo, sem os deslocamentos de trânsito, tem permitido se concentrar nos estudos e atividades de pesquisa das disciplinas.

6. Qual a grande diferença que você já observou entre o ensino online e outras formas de ensino (como o híbrido ou presencial)?

A aparente maior concentração de tempo nas atividades de estudo e pesquisa em materiais é percebida pela riqueza dos casos apresentados pelos alunos. Há uma sensação de que se está aproveitando mais o tempo. Não é só uma questão de dar mais conteúdo, mas de desenvolver esses conteúdos de forma aprofundada. Parece estar havendo mais trabalho em equipe, talvez porque todos, a princípio estão em igual situação de ocupação e disponibilidade para a equipe. Ter ocupação, nesse período de isolamento social, parece trazer a sensação de que o tempo está sendo mais produtivo, pelo menos do ponto de vista do estudo.