Evento sobre a qualidade dos serviços públicos discutiu aspectos da Lei 13.460 sobre quatro pontos de vistas diferentes

– 10 de novembro de 2018 –

Eduardo Bertassi. Fonte: CEST-USP

No dia 21 de junho de 2018, no Instituto de Estudos Avançados da USP, ocorreu o seminário do Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia (CEST) sobre a qualidade da prestação dos serviços públicos brasileiros e sua relação com a Lei 13.460, também conhecida como a Lei de Proteção e Defesa dos Direitos dos Usuários dos Serviços Públicos. Organizado pelo pesquisador do CET Eduardo Bertassi, o evento trouxe profissionais e acadêmicos de diferentes áreas para discutir a temática do evento sob quatro pontos de vista: jurídico; sociológico; educacional; e de controle de qualidade.

O coordenador acadêmico do CEST, o Prof. Dr. Edison Spina, deu as boas-vindas aos participantes e abriu as atividades do dia ressaltando a importância de sempre olhar e discutir as questões tecnológicas e sociais sob um ponto de vista multidisciplinar, que é o propósito e missão do CEST.

Em seguida, o pesquisador Eduardo Bertassi explicou as motivações que o levaram a propor o evento. Partindo da investigação sobre como a adoção de processos de controle de qualidade na fabricação de softwares para crowdsourcing poderiam beneficiar a sociedade o pesquisador se deparou com a Lei 13.460, lei que não apenas possuía abrangência nacional, mas que entraria em vigor, justamente, no dia do seminário. Eduardo comentou que a lei, além de regular o direito de os cidadãos terem acesso a serviços públicos de qualidade, também poderia significar um passo importante em direção à prestação de serviços de qualidade de uma forma mais sistemática, contanto que houvesse um comprometimento em segui-la por parte dos gestores públicos.

O âmbito jurídico

Prof. Dr. Dennys Antonialli. Fonte: CEST-USP

O Prof. Dr. Dennys Antonialli, professor da Faculdade de Direito da USP, ficou encarregado de discutir o tema a partir da ótica jurídica. Antonialli iniciou seu discurso ressaltando a importância de nos atentarmos não apenas aos aspectos jurídicos da lei, mas aos aspectos de diversidade que seriam promovidos com sua implementação. Porém, ele comentou que uma visão real dos impactos da aplicação lei só seria possível a partir de uma pesquisa empírica feita após certo templo do início de sua vigência.

O professor disse que o objetivo da regulamentação, quando foi criada, era o de que ela fosse aplicada de forma direta e indireta na administração e oferta de serviços de interesse público. Como exemplo de aplicação indireta, o professor citou o caso da Eletropaulo que apesar de ser uma empresa privada ela promove um serviço de interesse público, portanto, a empresa também estaria sujeita a atender e garantir as diretrizes previstas na lei como urbanidade, acessibilidade, respeito, entre outros.

Posteriormente, Antonialli elencou os direitos garantidos pela regulamentação, que seriam: a participação dos cidadãos; liberdade de escolha; acesso e proteção de informações pessoais; acesso a impressão de documentos; obtenção de informações precisas e acessíveis; e acesso à Carta de Serviços oferecidos pelas entidades públicas. Além disso, o professor salientou que a Lei 13.460 utilizava-se de alguns instrumentos para garantir o cumprimento das regulamentações como a livre manifestação dos usuários, o uso de ouvidorias, a criação de conselhos de usuários e a elaboração de relatórios para mostrar a evolução ou degradação da qualidade dos serviços prestados de acordo com certos indicadores de qualidade.

Porém, o professor alertou que existem diversos questionamentos sobre a real aplicação da lei. Segundo ele, alguns acreditam que a lei seja apenas um documento formal sem muito impacto, dado que o real efeito da representatividade e regulamentação depende de inúmeros aspectos relacionados à dinâmica e ao funcionamento das repartições públicas.

Por fim, Antonialli expôs a necessidade de que a esfera pública brasileira precisa estabelecer métricas e critérios objetivos para que se permita avaliar as reais condições da prestação dos serviços públicos em comparação com a situação vivenciada em outros países.

O campo da sociologia

Prof. Dr. John Sydenstriker-Neto. Fonte: CEST-USP

O Prof. Dr. John Sydenstricker-Neto, sociólogo e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, iniciou sua apresentação descrevendo o que ele chamava de binômio necessário para a prestação dos serviços públicos: a cordialidade e a qualidade.

“O homem brasileiro é um homem essencialmente cordial”, disse ele sustentado pela tese de Sérgio Buarque de Holanda sobre o homem cordial do livro “Raízes do Brasil”. “Ou seja, somos um povo que prioriza o aspecto emocional e da afetividade nas relações interpessoais, inclusive na área de prestação dos serviços públicos”. Ainda segundo o professor, “Ser cordial, porém, não garante a qualidade dos serviços, muito pelo contrário; a nossa cordialidade em excesso dificulta a existência de objetividade e impessoalidade nas áreas públicas e nas relações em geral. Uma das consequências disso é a burocracia excessiva que existe no país, numa tentativa de tornar mais impessoal um processo que não precisaria ser tão exaustivo e complicado”.

O professor fez uma breve comparação entre os serviços públicos oferecidos na Europa e os serviços públicos oferecidos no Brasil. Na Europa, enquanto a cordialidade e a afetividade não são consideradas como essenciais, a qualidade é, fazendo com que os serviços sejam mais impessoais e por consequência mais justos. No Brasil, ocorre o contrário e o sociólogo levantou a seguinte questão “Por que parece tão importante ser ‘bem-tratado’ e não ser ‘bem servido’?”, ou seja, por qual motivo consideramos a cordialidade de uns para com os outros mais importante do que a qualidade do serviço sendo oferecido?

O professor John ressaltou que certas dualidades presentes em nosso cotidiano são até retratadas na literatura brasileira. Dualidades como trabalho e aventura, método e informalidade, impessoalidade e afetividade foram caracterizadas nos livros como marca registrada de nosso povo, criando o “mito brasileiro”, como pode ser visto em personagens como Jeca Tatu ou Macunaíma. Para ele, o mais importante é aprender a refletir sobre esses mitos para que possamos evoluir a partir deles. Ele cita, então, a frase do antropólogo Darcy Ribeiro, “O mais importante é inventar ou reinventar o Brasil”.

Por isso, o Prof. John destaca que ao apresentar a palavra “binômio” em seu discurso para descrever a qualidade e a cordialidade, ele diz que foi uma palavra escolhida a dedo para diferir o sentido de duas coisas opostas. “’Binômio’ implica numa dualidade que foi superada, uma dupla de fatores que não se excluem, e sim trabalham juntos em equilíbrio”, disse ele. Segundo o professor, para alcançar o equilíbrio, é preciso observar e se inspirar com casos que deram certo. Ele citou o exemplo da cidade de Santana do Seridó, no Rio Grande do Norte, que para driblar a seca começou a utilizar esgoto tratado como a principal fonte de água para a agricultura. A cidade não precisou criar novas leis; os habitantes e o governo local apenas passaram a resolver por si mesmos os problemas que impediam o cumprimento das leis de saneamento e tratamento de esgoto já existentes.

O ponto de vista sobre a educação

Prof. Dr. Luiz Barco. Fonte: CEST-USP

O Prof. Dr. Luiz Barco, docente aposentado da Escola de Comunicação e Artes, tratou de abordar os aspectos educacionais que permeiam a estrutura estabelecida no país. O professor iniciou sua fala dissertando que o grau de liberdade de discussão e de questionamentos presente dentro das universidades deveria ser implantado desde o ensino primário, em sua opinião, como forma de se melhorar não apenas os profissionais do futuro, mas pessoas que comporão a sociedade. Ele exaltou que o significado do verbo “desenvolver” não implicava na destruição do passado ou do desconhecido, mas sim na construção do conhecimento e assimilação de novos conceitos.

Mais adiante, o professor Barco acrescentou sua visão sobre o papel exercido pelos professores nos dias atuais. Segundo ele, “Um professor deveria ser um construtor de sonhos”, pois segundo ele, “É dever do professor levar o aluno a transcender suas ideias, e não apenas a repeti-las”. Para o professor, apenas dessa forma, os alunos conseguiriam construir conhecimentos reais e desenvolver um senso crítico em relação aos ensinamentos de seus mestres, engrandecidos por uma personalidade questionadora.

Finalizando seu discurso, o professor apresentou sua visão sobre as diretrizes que a esfera acadêmica está tomando. Em sua opinião, o mundo está se tornando, em inúmeros aspectos, cada vez mais complexo; logo, é de suma importância que a ciência crie, desenvolva e dissemine uma nova forma de se abordar as questões para que a complexidade possa ser tradada de forma uma forma transdisciplinar.

O controle de qualidade

Prof. Dr. Kleber Cavalcanti Nóbrega. Fonte: CEST-USP

O último palestrante do evento, o Prof. Dr. Kleber Cavalcanti Nóbrega, membro da Academia Brasileira da Qualidade, falou sobre a importância da gestão da qualidade nos serviços públicos, e explicou a evolução do conceito de qualidade ao longo dos anos. O conceito mais antigo refere-se apenas à qualidade inerente do produto, mas com o passar do tempo o conceito se ampliou significando a qualidade do processo no qual o produto era feito. Em seguida, qualidade passou a ser associada ao sistema o qual os processos estavam inseridos e, hoje, o conceito mais amplo engloba também a qualidade organizacional, ou seja, a qualidade de vida dos indivíduos.

Outro ponto importante na fala do professor foi ilustrar a diferença entre a gestão pública e a gestão privada. Na gestão privada há um maior compromisso por parte dos funcionários pela imposição do foco nos resultados objetivando o lucro e os resultados positivos da empresa. No caso da gestão pública o professor disse uma frase que mostra bem a situação da gestão pública no Brasil: “Na Alemanha o que é público é de todos, no Brasil o que é público não é de ninguém”.

O Professor Kleber analisou o ato de servir e o comportamento servidor. “Servir” é definido pelo doutor como “o ato de executar atividades visando proporcionar benefícios àqueles que são servidos”. Para que um órgão prestador de serviços seja considerado “servidor”, deve-se haver as características da capacidade de ajudar, da tomada de iniciativas, da busca da simplicidade e da utilidade, dentre outras. Segundo ele, “A fórmula de como servir melhor está na melhoria tanto do serviço, quanto do comportamento do servidor, fórmula essa que nos remete, apenas com palavras diferentes, ao binômio de qualidade e cordialidade apresentado pelo professor John”.

Para finalizar, Kleber, então, analisa a lei 13.460 e a considera uma lei “servidora”, já que esta concede mais direitos do que deveres.

Para acessar o material do evento (apresentações, fotos e vídeos), clique aqui.

Texto de: Fernanda Pinotti e Tiago Medeiros (Jornalismo Júnior da USP)

Revisado por: Eduardo Bertassi