Indústria 4.0 e o desemprego tecnológico: como ficam as relações de trabalho?

Autor: Sirlei Pitteri

 

O amadurecimento das tecnologias digitais (TICs) vem transformando profundamente o cenário competitivo mundial. O jornalista norte-americano Thomas Friedman referiu-se a esse fenômeno, em 2005, como a “tripla convergência”, na qual ocorreram três eventos interligados e simultâneos: (1) as inovações tecnológicas disponíveis e integradas em nível mundial; (2) o surgimento de uma massa crítica de profissionais criativos que organizaram essas tecnologias em novos modelos de negócios; (3) a inclusão de 3 bilhões de pessoas de países emergentes na economia mundial.

Esse fenômeno  promoveu, em duas décadas, um campo de jogo global, mediado pela web, viabilizando diversas modalidades de colaboração (conhecimento e trabalho) em tempo real, independente da geografia, distância ou idioma.

Já é possível identificar uma  conformação no mercado de trabalho diferente daquela do cenário industrial do século passado. Os empregos dos setores tradicionais, bem estruturados e relativamente previsíveis no médio e longo prazos, estão migrando para setores bem mais complexos, ainda não contemplados nos censos e pesquisas oficiais, mas que estão sendo acomodados no diversificado e abrangente setor de serviços.

Dados recentes apontam que os setores tradicionais da indústria representam apenas 10,8 % do Produto Interno Bruto (PIB),  enquanto que o de serviços está estimado em quase 60%. De acordo com a FENACOM (2016), o crescimento do setor de serviços foi de 3,3 % ao ano entre 1996 e 2014, taxa superior à da economia brasileira, que foi de 2,0 %, quando comparados com o valor adicionado.

Esse fenômeno teve início nos países de capitalismo avançado já na década de 1980 e se espalhou pelos países emergentes a partir da década de 2000. Houve uma divisão importante na organização da produção e dos mercados na economia global, exigindo maior flexibilidade das empresas para lidar com as incertezas provocadas pelo ritmo veloz das mudanças na economia mundial. Os novos processos de produção e práticas de emprego do sistema fordista estão sendo substituídos pelo modelo da produção enxuta, diminuindo mão-de-obra mediante a automação dos trabalhos, eliminação de tarefas e de camadas administrativas.

A substituição das atividades manufatureiras estruturadas pelas tecnologias vem sendo chamada de Indústria 4.0 (Industry 4.0) ou a quarta revolução industrial: inclui a automação, monitoração por sistemas cibernéticos, trocas de dados, cópia virtual de um mundo real,  decisões descentralizadas, sendo que todo esse ecossistema comunica e coopera entre si e com as pessoas em tempo real, interagindo com plataformas da internet de serviços.

Os reflexos dessas tendências são visíveis nas práticas das empresas já há algumas décadas. A evolução do modelo de empresas verticais para a formação de redes entre empresas e computadores vem se consolidando em diversos formatos, promovendo “externalizações” de equipes inteiras e deslocando as fronteiras organizacionais para além dos limites dos seus países, operando em escala mundial (DICKEN, 2010).

Porém, esse fenômeno não é inédito e sempre ocorreu ao longo da história da humanidade. As inovações de James Watt para a máquina a vapor no século dezoito iniciaram a primeira revolução industrial, aumentando a produtividade da indústria têxtil.  A segunda veio com a introdução da linha de montagem por Henry Ford em 1913, resultando em padronização de processos e aumento da produtividade na indústria automobilística. A terceira introduziu o computador no chão de fábrica em 1970, substituindo gradualmente as pessoas nas atividades estruturadas e programáveis. Assim, qualquer função industrial estruturada pode ser automatizada.

A Indústria 4.0 caracteriza-se pela integração dos sistemas de produção chamados de ciber-físicos, em que sensores inteligentes dizem para as máquinas como elas devem ser processadas. Os processos devem se auto-governar em um sistema modular descentralizado. Sistemas embutidos espertos começam a trabalhar juntos, comunicando-se sem fio, tanto diretamente como via uma ”nuvem” na Internet (A Internet das Coisas ou Thing Internet ou IoT). Os sistemas centralizados rígidos de controle das fábricas cedem agora seu lugar para inteligência descentralizada, com a comunicação máquina a máquina (M2M) no chão de fábrica. Esta é a visão da indústria 4,0 da quarta revolução industrial (DONOVAN, 2016).

Assim, o mercado de trabalho se transforma na esteira das mudanças organizacionais, em que algumas atividades desaparecem enquanto surgem outras. O declínio do emprego industrial ocorre com a ampliação e diversificação do setor de serviços.

O perfil dos profissionais também se modificou bastante. Enquanto alguns empregos, de nível operacional desaparecem, surgem outros mais compatíveis com as habilidades humanas – o coordenador de contratos – responsável pela gestão das inúmeras atividades envolvidas na cadeia de valor que se ampliou para além dos limites das empresas.

Os empregos 40 horas semanais (nine to five) são escassos e atualmente as empresas disponibilizam telefones pessoais aos seus colaboradores e parceiros para jornadas de trabalho de 24 horas de segunda a segunda. Os ciber-serviços precisam da inteligência humana nos imprevistos que podem acontecer a qualquer momento, porém, a legislação brasileira sobre as relações de trabalho carecem de mecanismos adequados, principalmente com relação aos direitos e deveres das partes.

Essas questões adquirem importância no que se refere à inserção do Brasil nas cadeias globais de trabalho, especialmente naquelas voltadas para a produção de serviços da economia digital, cuja atuação vai além das fronteiras dos países.

A preocupação com o desemprego tecnológico não é um fenômeno recente. Como salientado por Joseph Schumpeter, em 1942, a destruição criativa é um reflexo das invenções tecnológicas, criando enorme riqueza, mas também perturbações sociais consideradas injustas pelas comunidades durante um certo tempo.

A questão central envolvida nesse debate é o equilíbrio entre a manutenção dos empregos e os avanços tecnológicos, exigindo um ajustamento contínuo entre as relações de poder na sociedade e a forma pela qual os retornos financeiros estão sendo distribuídos.

Referências

DONOVAN, J. Indústria 4.0 – o que é isso? Instituto Newton C. Braga. ART 1350. Disponível em: <http://www.newtoncbraga.com.br/index.php/eletronica/52-artigos-diversos/7571-industria-4-0-o-que-e-isso-art1350>. Acesso em: 17 abr. 2016.

DICKEN, P. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. 5. ed. Trad. Teresa Cristina Felix de Souza. Porto Alegre: Bookman, 2010.

FENACOM. Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas. Disponível em: http://www.fenacon.org.br/noticias/meis-viram-a-maior-categoria-empresarial-263/. Acesso: 27 fev. 2016.

FRIEDMAN, T. L. O Mundo é Plano: uma breve história do século XXI. Trad. Cristiana Serra, S. Duarte. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

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Este artigo foi desenvolvido com o apoio do CEST (Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia) da Universidade de São Paulo (CEST-USP)